« Recordo-me de ter acompanhado com um interesse apaixonado, apesar de ter apenas catorze anos, o complexo processo político que, no ano de 1933, se desenrolou na Alemanha. A República de Weimar mergulhara no caos político provocado pela crise económica do pós-guerra. Milhões de trabalhadores foram atirados para o desemprego. Hitler, que enfrentava um movimento operário dividido por insanáveis rivalidades via aberto diante de si o caminho do poder.[1]
Próximo do fim do ano, algum tempo depois de Hitler, chamado pelo marechal Hindenburg, ter formado o seu governo, o Reichtag – o Parlamento alemão – foi incendiado. A notícia, transmitida no contexto de um país agitado por fortes convulsões – com os comunistas, derrotados em 1919, em plena ascensão –, correu mundo. Os hitlerianos acusaram três comunistas búlgaros de serem os autores do atentado.
O julgamento dos pretensos incendiários, entre os quais se destacara o nome de Dimitrof, começou algum tempo depois de ter ocorrido aquela provocação.
Dimitrof tornar-se-ia, rapidamente, no símbolo do heroísmo e da firmeza dos comunistas. A audácia com que enfrentou os seus acusadores, assumindo ele próprio a função de juiz do regime hitleriano, enchia-me de orgulho. Via confirmar-se no meu espírito, já preparado por inúmeras leituras, a superioridade moral dos comunistas. Orgulhava-me de ter ocupado, entre eles, o meu lugar de combate... A real personalidade do meu herói de então só muito mais tarde se tornaria conhecida..[2]
O que é facto é que naquele ano de 1933 a figura de Dimitrof assumira a aos meus olhos o perfil paradigmático do revolucionário coerente e audaz. Inspirado pela nova moral e pelos valores do movimento comunista, colocara a sua vida ao serviço da grande causa da emancipação humana, representada pelo projecto comunista.
Esse sentimento, habilmente cultivado, predispunha os propagadores do novo credo para o sacrifício total.
Foi naquele contexto global, tão carregado de certezas, de promessas e de exaltação heróica, que eu interiorizei as profundas convicções ideológicas que ditaram o meu futuro. Tudo parecia confirmar o rigor das previsões do movimento comunista, nomeadamente o aparente êxito da experiência soviética e a superioridade moral dos seus principais agentes pessoais. Nesse contexto pesou também, como era natural, a influência familiar e o ambiente político, muito especial, do Arsenal da Marinha.
[1] Os comunistas tinham eleito, como inimigo principal, os socialistas, situação que ainda hoje se verifica. Nas últimas eleições, os comunistas tinham averbado nas urnas cerca de 6 milhões de votos. Os social-democratas à volta de 9. Os nazis, com 12 milhões de votos, tinham sido o partido mais votado. Mas os socialistas e comunistas, em conjunto, recolheram nas urnas cerca de 15 milhões. Face à evidente incapacidade de entendimento entre aquelas forças - situação cuja responsabilidade era imputada pelos comunistas aos social-democratas, apelidados de "social-traidores" e de “amarelos” , o Partido Nacional Socialista, chefiado por Hitler, como partido maioritário, assumiu legalmente o poder.
[2] O caso de Dimitrof viria a constituir para mim um dos muitos desenganos que me ajudariam a compreender a face oculta do projecto comunista. Dimitrof abandonou à sua sorte, nos anos mais negros do terror estalinista, os seus companheiros de processo. Permitiu que um dele, Popof, permanecesse dez anos no Goulag sob a acusação de ser “inimigo do povo”. Esse reverso da medalha, a verdadeita face da sua personalidade, só viria a ser conhecido muitos anos depois. Dimitrof queria para si, em exclusivo, a glória de ter enfrentado o Tribunal nazi. Acusou os seus companheiros de se terem limitado, no decurso do julgamento, a uma defesa meramente pessoal. Revelou aos soviéticos que Tanef teria proposto, em 1929, no Comité Central do Partido Comunista Búlgaro - a que os três pertenciam - uma discussão em volta do caso de Trotsky... Permitiu uma intromissão abusiva de Estaline na vida interna do partido de que era secretário-geral . Esta “terrível” acusação levou os seus camaradas de processo a cairem em desgraça perante os comunistas russos. Tanef foi acusado de simpatia por Trotsky - o que constituía, naquela altura, um grave crime anti-soviético...Durante a guerra foi lançado de pára-quedas no interior do território búlgaro. Foi ali abatido em circunstâncias estranhas... Depois da chegada do PC Búlgaro ao poder, só Dimitrof foi considerado digno de figurar na galeria dos do heróis... Este, para conservar a confiança de Estaline, e manter o seu lugar de secretário-geral da Internacional Comunista, não hesitou em acusar os seus camaradas de crimes imaginários. Esta era a “moral” dos homens que simbolizaram, durante muito tempo, os valores do comunismo. »
Próximo do fim do ano, algum tempo depois de Hitler, chamado pelo marechal Hindenburg, ter formado o seu governo, o Reichtag – o Parlamento alemão – foi incendiado. A notícia, transmitida no contexto de um país agitado por fortes convulsões – com os comunistas, derrotados em 1919, em plena ascensão –, correu mundo. Os hitlerianos acusaram três comunistas búlgaros de serem os autores do atentado.
O julgamento dos pretensos incendiários, entre os quais se destacara o nome de Dimitrof, começou algum tempo depois de ter ocorrido aquela provocação.
Dimitrof tornar-se-ia, rapidamente, no símbolo do heroísmo e da firmeza dos comunistas. A audácia com que enfrentou os seus acusadores, assumindo ele próprio a função de juiz do regime hitleriano, enchia-me de orgulho. Via confirmar-se no meu espírito, já preparado por inúmeras leituras, a superioridade moral dos comunistas. Orgulhava-me de ter ocupado, entre eles, o meu lugar de combate... A real personalidade do meu herói de então só muito mais tarde se tornaria conhecida..[2]
O que é facto é que naquele ano de 1933 a figura de Dimitrof assumira a aos meus olhos o perfil paradigmático do revolucionário coerente e audaz. Inspirado pela nova moral e pelos valores do movimento comunista, colocara a sua vida ao serviço da grande causa da emancipação humana, representada pelo projecto comunista.
Esse sentimento, habilmente cultivado, predispunha os propagadores do novo credo para o sacrifício total.
Foi naquele contexto global, tão carregado de certezas, de promessas e de exaltação heróica, que eu interiorizei as profundas convicções ideológicas que ditaram o meu futuro. Tudo parecia confirmar o rigor das previsões do movimento comunista, nomeadamente o aparente êxito da experiência soviética e a superioridade moral dos seus principais agentes pessoais. Nesse contexto pesou também, como era natural, a influência familiar e o ambiente político, muito especial, do Arsenal da Marinha.
[1] Os comunistas tinham eleito, como inimigo principal, os socialistas, situação que ainda hoje se verifica. Nas últimas eleições, os comunistas tinham averbado nas urnas cerca de 6 milhões de votos. Os social-democratas à volta de 9. Os nazis, com 12 milhões de votos, tinham sido o partido mais votado. Mas os socialistas e comunistas, em conjunto, recolheram nas urnas cerca de 15 milhões. Face à evidente incapacidade de entendimento entre aquelas forças - situação cuja responsabilidade era imputada pelos comunistas aos social-democratas, apelidados de "social-traidores" e de “amarelos” , o Partido Nacional Socialista, chefiado por Hitler, como partido maioritário, assumiu legalmente o poder.
[2] O caso de Dimitrof viria a constituir para mim um dos muitos desenganos que me ajudariam a compreender a face oculta do projecto comunista. Dimitrof abandonou à sua sorte, nos anos mais negros do terror estalinista, os seus companheiros de processo. Permitiu que um dele, Popof, permanecesse dez anos no Goulag sob a acusação de ser “inimigo do povo”. Esse reverso da medalha, a verdadeita face da sua personalidade, só viria a ser conhecido muitos anos depois. Dimitrof queria para si, em exclusivo, a glória de ter enfrentado o Tribunal nazi. Acusou os seus companheiros de se terem limitado, no decurso do julgamento, a uma defesa meramente pessoal. Revelou aos soviéticos que Tanef teria proposto, em 1929, no Comité Central do Partido Comunista Búlgaro - a que os três pertenciam - uma discussão em volta do caso de Trotsky... Permitiu uma intromissão abusiva de Estaline na vida interna do partido de que era secretário-geral . Esta “terrível” acusação levou os seus camaradas de processo a cairem em desgraça perante os comunistas russos. Tanef foi acusado de simpatia por Trotsky - o que constituía, naquela altura, um grave crime anti-soviético...Durante a guerra foi lançado de pára-quedas no interior do território búlgaro. Foi ali abatido em circunstâncias estranhas... Depois da chegada do PC Búlgaro ao poder, só Dimitrof foi considerado digno de figurar na galeria dos do heróis... Este, para conservar a confiança de Estaline, e manter o seu lugar de secretário-geral da Internacional Comunista, não hesitou em acusar os seus camaradas de crimes imaginários. Esta era a “moral” dos homens que simbolizaram, durante muito tempo, os valores do comunismo. »