No meio desta agitada vida política do Brasil, tive o privilégio de conversar esta semana com um juiz desmbargador e dois procuradores do Ministério Público, na cidade de S. Paulo.
Foi uma conversa amena introduzida por uma amigo jornalista que com eles tem uma relação muito especial.
O facto de eu ser português e de ter sido jornalista antes de ser advogado melhorou a abertura que todos demos a um franco debate de ideias.
Logo no princípio da conversa - quase a introduzi-la - manifestei a minha opinião, enfaticamente negativa, relativamente ao que estava a ocorrer com a prisão de Paulo Maluf e de seu filho.
Não me parece aceitável que um político que já foi governo do estado, prefeiro e até candidato à presidência da República possa ser lançado numa cela colectiva como um detido de delito comum, em fase de inquérito.
Se um polícia ou um magistrado são conduzidos para prisões especiais, porque é que um homem que esteve na primeira linha da politica brasileira é preso e colocado no estabelecimento com as mesmas condições de um vulgar ladrão ou assassino.
Parece-me que isto de uma violência incrível e que atenta inclusivamente contra os interesse público da segurança. Se fosse um cidadão comum, ninguém falaria dele. Mas de Paulo Maluf está a televisão a falar a cada momento e em termos que causam na opinião pública um sentido de ódio, passivel de gerar situações de retaliação.
Responderam-me com a «versão oficial» de que os estabelecimentos especiais servem para proteger a função que não as pessoas. Por isso o juiz Lalau, que há uns anos deu uma palmada de uns milhões e reais na administração da obra de um tribunal, foi para um estabelecimento especial (uma vez que continua a ser juiz) como teria ido Maluf se fosse prefeito ou governador, que já não é.
É uma desculpa descabelada, que não me convenceu, mas em que não repisei para não estragar o ambiente nem prejudicar a confiança dos meus interlocutores.
Para quem vem da Europa - avancei - faz alguma confusão ver o Ministério Público e as policias a investigar ao vivo, seguidas pela televisão.
De outro lado as notícias deste tipo de acontecimentos são muito opinativas. E o que os magistrados dizem as televisões também o é...
Aí começou uma conversa nova... E começou assim:
«Se fulano foi para deputado há X anos e não tinha nada, ou tinha qualquer coisa pouca, como é que ele hoje pode ter um império?»
Respondi: pode ter jogado na lotaria, por ter recebido uma herança, pode ter descoberto um poço de petróleo...
Um dos meus interlocutores fechou a questão dizendo mais ou menos isto:
«Ou o homem é rico e aí a sua fortuna pode continuar a crescer enquanto ele gasta dinheiro na política, ou então é ladrão... Não tem duas vias...»
Mas - disse eu - do que sei o Maluf sempre foi rico... Por essa teoria é normal que a sua fortuna tenha crescido.
«Pois cresceu, mas cresceu muito mais do que era admissivel».
A ideia que me ficou desta conversa é a de que há hoje na sociedade brasileira um movimento de depuração da classe política, que conta como actores principais os jornalistas, os magistrados e os polícias.
A onda é muito justicialista e peca em muitos aspectos pelo exagero, nomedamente no quadro da comunicação social.
Mas, de outro lado, fiquei com a ideia de que esta gente sabe o que está a fazer, tendo analisado cuidadosamente os erros, nomeadamente, dos magistrados italianos e espanhois.
A investigação conta com meios incriveis e está a desenvolver métodos novos de recolha de informação que nem me passava pela cabeça que pudessem vir da Europa.
Um dos meus interlocutores chamou-me a atenção para o que já se está a fazer na Europa em termos de convite á denúncia e à delação, indicando-me inclusivamente o site da UE em que os magistrados e os polícias do Brasil encontraram inspiração (o OLAF).
«Mas porquê agora? Apenas para liquidar o governo do PT? Ou só este governo é corrupto e outros eram sérios?».
Tudo tem o seu tempo... Há acções que só se desenvolvem quando há condições para isso. Talvez nunca essas condições estivessem tão amadurecidas como estão hoje.
Por isso é que Maluf, que não tem nada a ver com o PT, só agora foi preso - explicaram-me. Ao que me disseram, a polícia anda em cima dele há anos, mas nunca houve condições para avançar com a investigação como se avançou agora.
Deu para perceber que o movimento não se restringe ao espectro do partido do governo. Deu para perceber que, provavelmente, do próprio partido do governo sairão informações para abrir outras investigações em áreas diversas.
A regra de ouro parece ser esta: «quem durante X anos só poderia ganhar Y e tem fortunas de mil ou duas mil vezes provavelmente roubou...»
Pergunto-me o que é que acontecerá em Portugal se alguém algum dia resolver aplicar este método.