quarta-feira, setembro 14, 2005

Reduzidos os direitos políticos dos portugueses bi-nacionais



A Lei Orgânica nº 5/2005, de 8 de Setembro reduz de forma drástica os direitos políticos dos cidadãos portugueses que sejam também nacionais de outro estado, ferindo-os de incapacidade eleitoral activa na eleição do Presidente da República se residirem no outro país de que também sejam nacionais.
Diz a nova redacção da lei eleitoral, no seu artigo 1º, 1 que «são eleitores do Presidente da República os cidadãos portugueses recenseados no território nacional e os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro que se encontrem inscritos nos cadernos eleitorais para a eleição da Assembleia da República à data da publicação da presente lei.».
De uma primeira leitura resulta a conclusão de que todos os portugueses que estejam recenseados para a eleição da Assembleia da República em 8 de Setembro de 2005, podem votar nas próximas eleições presidenciais. Mas não é assim.
Se eles residirem no estrangeiro, num país de que também sejam nacionais, não podem votar na eleição para o Presidente da República de Portugal.
Esta alteração legislativa implica a perda do direito de voto nas eleições para o Presidente da República de todos os portugueses bi-nacionais, que residam no Estado da segunda nacionalidade e que fossem titulares de tal direito nos termos da lei até agora vigente.
Uma boa parte destes cidadãos, porque são portugueses de origem, podem candidatar-se à eleição presidencial, mas não podem ser eleitores, porque lhes foi retirado o direito de voto, com esta alteração legislativa.
A maior dificuldade de aplicação da lei, já nas próximas eleições presidenciais, estará, seguramente na actualização dos cadernos eleitorais.
O facto de um cidadão português ser também nacional de outro estado não é relevante para efeitos de registo.
Aliás, a Lei da Nacionalidade Portuguesa é expressa no sentido de que tendo o cidadão mais do que uma nacionalidade para além da portuguesa é esta que releva no relacionamento com Portugal (artº 27º).
A questão que se coloca, e imediato, é a de saber como é que se vão «incapacitar» para eleger o Presidente da República cidadãos que estão inscritos nos cadernos eleitorais para a Assembleia da República em 8 de Setembro de 2000.
Só agora me tive oportunidade de ler com algum cuidado o que se passou no debate parlamentar.
Reproduzo-o abaixo...
E tudo de uma pobreza que dá tristeza. Boa parte desta gente não a mínima noção do fala nem consegue perceber que as ligações a Portugal de muitos dos tais netos e bisnetos de portugueses (que afinal não são nem netos nem bisnetos mas apenas portugueses não residentes) são muito mais fortes e intensas que as deles próprios, sobretudo em termos culturais.
A parvoice mantém-se na pretensão de qualificar os portugueses como de primeira e de segunda, em função de critérios mais ou menos afectivos.
Mas pior do que a parvoice é o medo, para alguns, mesmo o pânico.
Era bom que todos os portugueses residentes no estrangeiro fossem super-activos... Dariam um bom exemplo aos residentes em Portugal, cuja participação nos actos eleitorais, apesar de todas as facilidades -de até os levarem ao colo no dia das eleições - não ultrapassa em muitas situações os 40%.
Mas não é assim. Há os cidadãos activos, que tomam a iniciativa de se recensear e participam nos actos eleitorais; e há os demais, que não têm interesse em participar na vida política portuguesa e que exercem o direito de nem sequer ser recensear.
Portugal nem sabe - faz tudo para não saber - quantos cidadãos tem.
Sabe que são muitos e isso assusta os políticos de Lisboa.
É simplesmente miserável que esse medo se transforme num redutor de direitos dos portugueses activos residentes no exterior, desde que eles tenham outra nacionalidade.
De um lado andamos a pregar, há dezenas de anos, que os nossos compatriotas devem integrar-se, o mais possivel, nas comunidades de acolhimento...
Do outro dizemos-lhe que, se o fizerem, perdem direitos tão importantes como o de eleger o Presidente da República em Portugal.
Mas a lei tem coisas ainda mais perversas...
Apesar de a possibilidade de os emigrantes elegerem o Presidente da República ter estado congelada durante décadas e de se ter aberto apenas uma frincha para os que tivessem recenseado até um dado momento, em vez de se emendar a mão, o que se faz nesta lei é impedir o recenseamento de que não esteja recenseado e tenha deixado de residir em Portugal há mais de 15 anos, se residir num país da UE ou num país de lingua portuguesa, ou há mais de 10 anos se residir num país de fora da UE.
Que justificação têm essas cabecinhas para a diferença de tempos?
Acaso têm os autores desta lei a mínima ideia sobre o que estão a tratar?
Imaginam quanto custará ao meu amigo Pedro, que vive em Porto Velho, o luxo de se recensear?
Nem lhes passa pela cabeça, porque talvez nem imaginem onde é Porto Velho nem quantos portugueses lá existem.


O texto da Lei

Lei Orgânica Nº 5/2005 de 8 de Setembro

Décima sétima alteração ao regime jurídico da eleição do Presidente da República e terceira alteração ao regime jurídico do recenseamento eleitoral.

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161º da Constituição, a seguinte lei orgânica:

Artigo 1º

1 - São alterados o artigo 1º, artigo 2º e artigo 3º do Decreto-Lei Nº 319-A/1976, de 3 de Maio (regulamenta a eleição do Presidente da República), alterado pelo Decreto-Lei Nº 377-A/1976, de 19 de Maio, Decreto-Lei Nº 445-A/1976, de 4 de Junho, Decreto-Lei Nº 456/1976, de 8 de Junho, Decreto-Lei Nº 472-A/1976 e Decreto-Lei Nº 472-B/1976, de 15 de Junho, e Decreto-Lei Nº 495-A/1976, de 24 de Junho, pela Lei Nº 45/1980, de 4 de Dezembro, e Lei Nº 143/1985, de 26 de Novembro, pelo Decreto-Lei Nº 55/1988, de 26 de Fevereiro, e pela Lei Nº 31/1991, de 20 de Julho, Lei Nº 72/1993, de 30 de Novembro, Lei Nº 11/1995, de 22 de Abril, Lei Nº 35/1995, de 18 de Agosto, e Lei Nº 110/1997, de 16 de Setembro, pela Lei Orgânica Nº 3/2000, de 24 de Agosto, e pela Lei Orgânica Nº 4/2005, de 8 de Setembro:

«Artigo 1º [...]

1 - São eleitores do Presidente da República os cidadãos portugueses recenseados no território nacional e os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro que se encontrem inscritos nos cadernos eleitorais para a eleição da Assembleia da República à data da publicação da presente lei.
2 - São também eleitores do Presidente da República os cidadãos portugueses recenseados no estrangeiro que preencham os requisitos seguintes:

a) Cuja inscrição tenha sido posterior à data referida no número anterior, mas efectuada por transferência de inscrição do território nacional ou de inscrição no estrangeiro anterior àquela data;
b) Cuja inscrição tenha sido, ou venha a ser, efectuada com a idade de 18 anos;
c) Tenham exercido o direito de voto na última eleição da Assembleia da República.

3 - São também eleitores do Presidente da República os cidadãos de outros países de língua portuguesa que residam no território nacional e beneficiem do estatuto de igualdade de direitos políticos, nos termos de convenção internacional e em condições de reciprocidade, desde que estejam inscritos como eleitores no território nacional.

Artigo 2º [...]

1 - ............................................................................
2 - Salvo o disposto no artigo 1º-A e artigo 1º-B da presente lei, não são eleitores do Presidente da República os cidadãos portugueses que, sendo também cidadãos de outro Estado, residam no respectivo território.

Artigo 3º [...]

1 - Não são eleitores do Presidente da República os cidadãos portugueses que tenham obtido estatuto de igualdade de direitos políticos em país de língua portuguesa, nos termos do Nº 3 do artigo 15º da Constituição.
2 - Não são também cidadãos eleitores do Presidente da República:

a) [Anterior alínea a)];
b) [Anterior alínea b)];
c) [Anterior alínea c)].»

Artigo 2º

São aditados o artigo 1º-A e artigo 1º-B ao Decreto-Lei Nº 319-A/1976, de 3 de Maio, que aprova o regime jurídico da eleição do Presidente da República:

«Artigo 1º-A Cidadãos em serviço ou em actividade de interesse público no estrangeiro

1 - São admitidos ao recenseamento eleitoral do Presidente da República os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro nas seguintes situações:

a) Titulares de órgãos da União Europeia e de organizações internacionais;
b) Diplomatas e outros funcionários e agentes em serviço em representações externas do Estado;
c) Funcionários e agentes das comunidades e da União Europeia e de organizações internacionais;
d) Professores de escolas portuguesas, como tal reconhecidas pelo Ministério da Educação;
e) Cooperantes, com estatuto como tal reconhecido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.

2 - São ainda eleitores do Presidente da República os cônjuges ou equiparados, parentes ou afins que vivam com os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro mencionados no número anterior, desde que preencham os requisitos previstos na presente lei.

Artigo 1º-B Cidadãos residentes no estrangeiro

1 - São admitidos ao recenseamento eleitoral do Presidente da República os cidadãos portugueses residentes nos Estados membros da União Europeia ou nos países de língua oficial portuguesa que tenham deixado de ter residência habitual no território nacional há menos de 15 anos.
2 - Os cidadãos portugueses residentes nos demais Estados são igualmente admitidos ao recenseamento eleitoral do Presidente da República no caso de terem deixado de residir habitualmente no território nacional há menos de 10 anos.
3 - São também admitidos ao recenseamento eleitoral do Presidente da República, para além dos casos referidos nos números anteriores, os cidadãos portugueses que se tenham deslocado a Portugal e aí permanecido pelo menos 30 dias nos últimos cinco anos e tenham feito prova de conhecimento da língua portuguesa.»

Artigo 3º

É alterado o artigo 42º da Lei Nº 13/1999, de 22 de Março (estabelece o novo regime jurídico do recenseamento eleitoral), alterada pela Lei Nº 3/2002, de 8 de Janeiro, e pela Lei Orgânica Nº 4/2005, de 8 de Setembro:

«Artigo 42º [...]

As inscrições efectuadas em comissão recenseadora sedeada no estrangeiro nas condições previstas no artigo 1º do Decreto-Lei Nº 319-A/1976, de 3 de Maio (regulamenta a eleição do Presidente da República) são anotadas nos cadernos de recenseamento e na base de dados do recenseamento eleitoral com menção ‘eleitor do Presidente da República’.»

Aprovada em 28 de Julho de 2005.

O Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.

Promulgada em 26 de Agosto de 2005.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendada em 29 de Agosto de 2005.
O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.


O debate parlamentar


1342 I Série - Número 032 23 de Junho de 2005

Passamos à discussão, também na generalidade, do projecto de lei n.º 101/X - Décima quinta alteração ao regime jurídico da eleição do Presidente da República (PS).
Para apresentar o diploma, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O processo legislativo que estamos a discutir hoje não poderia ter vindo em altura mais apropriada. Com efeito, ao longo deste mês de Junho, em todo o mundo onde existem portugueses é comemorada a ligação ao País, que é de todos nós, e, como já é habitual, multiplicaram-se iniciativas que dão bem prova da vitalidade das comunidades portuguesas.Posso testemunhar este facto, tendo participado em grandes realizações ocorridas em Bruxelas, Paris e Londres, e deixem-me que refira que, nesta última cidade, cerca de 15 000 pessoas estiveram presentes no parque de Kennington.Se hoje alguns levantam dúvidas sobre o desejo de Europa, não há dúvida de que nas nossas comunidades permanece o desejo de Portugal.O presente processo legislativo introduz alteração que consubstancia o alargamento do universo eleitoral para a Presidência da República. Poderá dizer-se que há matérias mais prementes para a vida quotidiana dos cidadãos aos quais é destinado este esforço legislativo - por exemplo, o ensino do Português no estrangeiro; a racionalização e melhoria do acesso aos serviços consulares; a contagem do tempo de serviço militar para efeitos de reforma nos países de acolhimento.É certo que cabe ao Estado português e ao Governo fazerem todos os possíveis para proporcionar condições igualmente dignas para todos os portugueses, mas também é certo que o processo democrático necessita de ser alimentado pelo lado dos cidadãos, designadamente através da sua participação nos actos eleitorais.Assim, o tema da inclusão é central nas democracias actuais, e teóricos, como Habermas, têm-lhe dedicado particular atenção. Mas não é certamente preciso elaborar muito para entender que se, por um lado, o sistema deve proporcionar as condições para a efectiva inclusão daqueles que correspondem aos critérios de um determinado universo, por outro, a inclusão, a pertença, para ser efectiva, tem de ser exercida; ou seja, os cidadãos só efectivam a sua capacidade de influência através da sua participação, designadamente em eleições.É altura para se chamar a atenção para um facto: o fraco índice de inscrição nos cadernos eleitorais dos portugueses que se encontram a residir no estrangeiro e o baixo índice de participação nos actos eleitorais.Faço, portanto, um apelo, por um lado, às autoridades, às associações não governamentais e outras, para que promovam uma pedagogia do exercício de direitos e deveres próprios da cidadania e para que procurem modalidades para facilitar tal exercício e, por outro, aos cidadãos portugueses no estrangeiro para que participem nos actos eleitorais, para que votem, porque, independentemente dos candidatos em que votarem, o número de votantes é fundamental para dar mais peso às próprias reivindicações das comunidades portuguesas.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Veja-se agora, em linhas muito gerais, o enquadramento e os objectivos desta décima sexta alteração ao regime jurídico da eleição do Presidente da República.Desde 1997 que a Constituição da República Portuguesa inclui no universo de eleitores do Presidente da República os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro. Contudo, essa extensão da capacidade eleitoral aos cidadãos portugueses não residentes em território nacional é constitucionalmente condicionada ao preenchimento de um requisito: "a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional".O Partido Socialista, com o presente projecto, retoma uma iniciativa legislativa já apresentada na anterior legislatura e tem como objectivo principal a precisão legal, a definição do conceito jurídico de "efectiva ligação à comunidade nacional" como condição justificativa do alargamento do universo eleitoral do Presidente da República.Esta redefinição do universo eleitoral do Presidente da República insere-se, assim, numa lógica que implica um processo exigente de melhoria dos instrumentos de expressão e de participação democráticas, de acordo, aliás, com o compromisso de modernização global do sistema político, previsto no Programa do XVII Governo Constitucional.Em termos substantivos, alarga-se o universo de eleitores do Presidente da República, porque, para além dos cidadãos portugueses recenseados no estrangeiro que se encontrem inscritos nos cadernos eleitorais para a eleição da Assembleia da República até à data da publicação da lei, a presente iniciativa atribui também capacidade eleitoral aos cidadãos portugueses recenseados no estrangeiro cuja inscrição tenha sido posterior, mas efectuada por transferência de inscrição do território nacional ou no estrangeiro; aos cidadãos que tenham exercido o seu direito de voto no último acto eleitoral para a Assembleia da República; e aos cidadãos eleitores residentes no estrangeiro cuja inscrição tenha sido, ou venha a ser, efectuada com a idade de 18 anos. O voto dos mais jovens, essencial para manter viva as comunidades portuguesas, é, assim, estimulado.Dentro do mesmo espírito de ampliação do universo eleitoral, sempre fundado num critério de efectiva ligação à comunidade nacional e numa lógica de integração social de minorias, surge outro ponto importante, que é a inclusão, no colégio eleitoral do Presidente da República, dos cidadãos de outros países de língua portuguesa que residam no território nacional e que beneficiem do estatuto de igualdade de direitos políticos, nos termos da convenção internacional, desde que estejam inscritos como eleitores no território nacional. Para além destes, são ainda admitidos neste recenseamento os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro que se encontrem envolvidos em serviços ou actividades de interesse público, bem como os respectivos familiares, parentes ou afins que com eles vivam.Importa, igualmente, destacar a introdução da possibilidade de recenseamento eleitoral dos cidadãos portugueses residentes nos Estados-membros da União Europeia ou de língua oficial portuguesa que tenham deixado de ter residência habitual no território nacional há menos de 15 anos.Quanto aos cidadãos portugueses residentes nos demais Estados, são igualmente admitidos a este recenseamento, desde que tenham deixado de residir no território nacional há menos de 10 anos.Por último, são também contemplados outros casos não abrangidos pelos pontos já referidos: os cidadãos portugueses que, embora residentes fora do País há mais tempo, se tenham deslocado e permanecido em Portugal pelo menos 30 dias nos últimos cinco anos e façam prova de conhecimento da língua portuguesa como requisito aferidor da "efectiva ligação à comunidade nacional".Concluindo, a presente iniciativa pretende reflectir uma visão da cidadania nacional associada à ideia de ligação efectiva e de pertença, correspondendo, nessa medida, a um conceito dinâmico que deve continuar a ser, no futuro, objecto de atenção, na perspectiva de uma democracia em que inclusão e responsabilidade se possam completar e cumprir.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A questão subjacente à discussão que hoje estamos a travar é historicamente conhecida e já foi profusamente debatida. Não obstante, todos temos de reconhecer que esta questão é política e excepcionalmente relevante.O Partido Social Democrata - é importante realçá-lo - lutou arduamente, durante mais de 20 anos, pela consagração de um universo eleitoral franco, aberto, democrático e transparente que permitisse aos emigrantes portugueses, devidamente recenseados no estrangeiro, votar para a escolha do mais alto cargo do Estado.Foi uma luta sem tréguas que terminou na revisão constitucional de 1997, quando o Partido Socialista, finalmente, aceitou o princípio e mudou o rumo do seu pensamento. Não o fez, ao contrário do que certo dia referiu o Deputado António Filipe, para ceder a uma qualquer chantagem do PSD; fê-lo, isso sim, porque finalmente percebeu, num momento de lucidez (nem sempre tão frequente como gostaríamos, lamentavelmente!), que assim se respeitavam os nosso compatriotas que um dia, a maior parte das vezes por infortúnio ou necessidade, abandonaram as suas terras e abalaram, mas que jamais quiseram deixar de ser portugueses e de participar no futuro de Portugal.O que sucedeu então foi que o compromisso constitucional a que se chegou foi, obviamente, o possível. Fosse qual fosse a solução, ela seria, seguramente, melhor do que nada.O Partido Social Democrata desejava na altura que, no texto constitucional, ficasse exactamente delimitado o universo eleitoral, isto é, quais os portugueses que, residindo no estrangeiro, poderiam votar na eleição do Presidente da República.Pelo contrário, o Partido Socialista, numa solução que sempre nos pareceu algo híbrida mas que era a possível (insisto, na altura, era melhor do que nada), preferiu que a Constituição remetesse para a lei ordinária a regulamentação desse direito de voto, mais se acrescentando na Lei Fundamental que deveria ter-se em conta, como a Sr.ª Deputada Maria Carrilho referiu, a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional.Foi justamente esta a questão que protelou a resolução de um problema que logo poderia e deveria ter ficado resolvido.Foi isto que gerou a disposição transitória, em 1997, que atribuiu, a título imediato, o direito de voto aos cidadãos inscritos nos cadernos eleitorais para a Assembleia da República em 31 de Dezembro de 1996, quando o assunto logo poderia e deveria ter ficado resolvido.Foi isto que gerou a disposição constante da Lei Orgânica n.º 3/2000, que atribuiu capacidade eleitoral aos cidadãos inscritos nos cadernos eleitorais até à data da publicação dessa lei, que é de Agosto de 2000, quando, repito, o assunto logo deveria ter ficado resolvido.E também é isso que agora o Partido Socialista, mais uma vez, nos propõe, no sentido de que seja reconhecido o direito de voto aos cidadãos inscritos nos cadernos eleitorais para a Assembleia da República até à data da publicação do diploma que agora apreciamos, quando o assunto - insisto pela quarta vez - há muito deveria ter ficado resolvido.No fundo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PS ainda não percebeu, porque não conseguiu afrontar com decisão e inteligência uma realidade, que é ridículo que por cada eleição presidencial se tenha de produzir um diploma a dizer sempre o mesmo, embora actualizado no tempo.
E o problema, até sob o ponto de vista jurídico, deriva do seguinte: é que a concretização do conceito de "laços de efectiva ligação à comunidade" é muito difícil e não menos difícil será, pela sua subjectividade, definir esse conceito com rigor em letra de forma legal. E essas dificuldades são demasiadamente evidentes no projecto de lei que nos é apresentado, que é em tudo idêntico ao da legislatura anterior.Nessa conformidade, o Partido Social Democrata defende e apela para que, na próxima revisão constitucional (mas na próxima mesmo), com seriedade e determinação, se consagre algo que é lógico, justo e profundamente democrático: o recenseamento único, ou seja, a existência de uma lista única de cidadãos que possam votar para a Assembleia da República e para o Presidente da República. É que, por muitas lucubrações constitucionais que se possam fazer, ninguém, absolutamente ninguém, percebe que um cidadão português no estrangeiro possa votar para o Parlamento e não possa votar também para a Presidência da República. É, no mínimo, absurdo tal pensamento.Portanto, o bom senso tem de prevalecer e todos entendemos, com meridiana clareza, que não podem existir discriminações nem votantes de segunda e votantes de primeira.Os portugueses devem eleger o Presidente da República justamente nas mesmíssimas condições em que elegem os Deputados.Esta será, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a maior homenagem que podemos prestar aos nossos compatriotas emigrantes que, ao recensearem-se, manifestam o seu empenho e o seu desejo de votar nas eleições do seu País, que é Portugal.Por isso, insisto: o Partido Socialista, devagar, devagarinho, lá chegará, aguardando nós que ele tenha um outro momento de rara lucidez, até porque o outro que teve já foi há alguns anos.O problema, Sr. Presidente, é que a próxima revisão constitucional não é amanhã e, justamente por não ser amanhã, temos que nos poupar, a nos próprios, à situação de, de 4 em 4 anos, andarmos, ridiculamente, a legislar o mesmo.É nessa conformidade, enquanto a questão não é constitucionalmente resolvida, que sugerimos a alínea que agora foi acrescentada, no sentido de que os cadernos eleitorais sejam constituídos também por todos os cidadãos que hajam votado para a Assembleia da República. Será mais um item a acrescentar a todos os outros - já está, de resto, acrescentado pelo próprio Partido Socialista - e que tem em vista o dito desiderato, que nós anunciámos, da consagração do recenseamento único.Termino, como há pouco: essa será a maior homenagem que podemos prestar aos nossos emigrantes.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas: O projecto de lei do Partido Socialista, similar ao apresentado e não discutido em Legislatura anterior, pretende resolver ainda as implicações do acordo PSD/PS, aquando da revisão constitucional de 1997, no que ao voto dos emigrantes diz respeito.A Constituição da República, após 1997, considerou inscritos no recenseamento eleitoral, para a eleição do Presidente da República, todos os cidadãos residentes no estrangeiro que se encontrassem inscritos nos cadernos eleitorais para a Assembleia da República em 31 de Dezembro de 1996, dependendo as inscrições posteriores da norma prevista no n.º 2 do artigo 121.º, ou seja, o legislador deveria "Ter em conta a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional".Foi neste contexto que, em 2000, tendo em vista a consagração da capacidade eleitoral destes eleitores e também a definição do respectivo universo eleitoral, e, naturalmente, as eleições presidenciais de Janeiro de 2001, se procedeu à aprovação da Lei n.º 3/2000, de 24 de Agosto.Estaremos, alguns de nós, lembrados dessa discussão e da solução de compromisso encontrada entre PS e PSD, que determinou a não definição concreta dos critérios da "existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional" e, consequentemente, a não fixação definitiva do universo eleitoral para a eleição do Presidente da República.Dissemos, na altura, que "Atribuídos administrativamente, por disposição transitória, tais laços aos cidadãos recenseados até 31 de Dezembro de 1996, ficaram os restantes por definir, em segundas núpcias reservadas aos mesmos nubentes".E acordo que nasce torto dificilmente se endireita!
Risos do PS.
A Oradora: - Mais uma vez, o universo eleitoral ficou por definir.O que se aprovou, nesta Casa, foi também, e novamente, uma solução provisória que passava a abranger exclusivamente os eleitores recenseados no estrangeiro até 24 de Agosto de 2000 e, bem assim, aqueles que, estando inscritos antes dessa data, se inscreveram por transferência do território nacional para o estrangeiro e por transferência entre comissões recenseadoras do estrangeiro, desde que a primeira inscrição fosse anterior àquela data.
Terminado este episódio, seria fácil adivinhar que a aproximação do acto eleitoral do Presidente da República, no início de 2006, implicasse mais um retoque no actual regime, porque, não havendo alteração, ficaria sem provisão o disposto no n.º 2 do artigo 121.º do texto constitucional.Há uma questão que se coloca desde já, que é a de saber se teremos, para cada eleição presidencial, uma data de referência e se daqui a cinco anos estaremos a discutir matéria idêntica.De facto, o diploma em vigor e o projecto hoje apresentado mantêm uma nota de provisório que denota a vontade de adiar a abordagem definitiva da questão.Mas ainda quanto à matéria em análise refira-se o texto do despacho de admissibilidade, relativo à proposta de lei apresentada e discutida em 2000, do então Sr. Presidente da Assembleia da República, Dr. Almeida Santos, que passo a citar: "O artigo 3.º, n.º 1, alínea b), retira a capacidade eleitoral activa dos cidadãos portugueses 'que tenham obtido estatuto de igualdade de direitos políticos em país de língua portuguesa, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º da Constituição'.Na sua formulação, trata-se de uma incapacidade total e absoluta: o cidadão português naquelas circunstâncias não pode votar para o Presidente da República, nem no Estado de residência, nem no Estado da nacionalidade.Creio tratar-se de uma imprecisão…" - dizia, então, o Sr. Presidente da Assembleia da República - "… mas estamos num domínio onde a Constituição não tolera a imprecisão e proíbe o excesso."Ora, o texto mantém-se agora no n.º 1 do artigo 3.º, sem nenhuma alteração.Também a tentativa de definição do que se entende por laços de efectiva ligação à comunidade nos parece continuar a padecer de frágil sustentação.O conteúdo do n.º 1 do artigo 1.º-A consagra a admissibilidade ao recenseamento eleitoral do Presidente da República de um conjunto de cidadãos e cidadãs cuja ligação a Portugal decorre do facto de exercerem determinados cargos políticos ou outros.Diz o despacho, que já referi, do então Sr. Presidente da Assembleia da República, a propósito, que "(…) não me parece decorrer qualquer especial 'laço de ligação à comunidade nacional' que justifique a diferença de tratamento relativamente à generalidade dos cidadãos portugueses que deixaram de ter residência habitual no território nacional".Finalmente, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, nesta descoberta de ligações mais ou menos efectivas e pouco precisas, o artigo 1.º-B exige, no mínimo, clarificação neste debate.Dizem os Srs. Deputados do Partido Socialista, que "São também admitidos ao recenseamento eleitoral do Presidente da República, para além dos casos referidos nos números anteriores, os cidadãos portugueses que se tenham deslocado e permanecido em Portugal pelo menos 30 dias nos últimos cinco anos e fizeram prova de conhecimento da língua portuguesa".Em 2000, a proposta do Governo socialista, que não foi aprovada por impossibilidade prática, admitia que se consagrasse o direito eleitoral aos cidadãos portugueses que se deslocassem a Portugal nos três anos anteriores à aprovação da lei.Na altura, colocámos um conjunto de questões relativas à prova material da presença em território nacional dos cidadãos eleitores. Esclareceu o então Sr. Ministro Alberto Martins "que os três anos admitidos como uma prova efectiva de ligação à comunidade portuguesa, são uma prova material de presença, mas admito que, em sede de discussão na especialidade da lei, este tipo de soluções possam ser apuradas e que possamos chegar a conclusões mais precisas…". Reconhecia o Sr. Ministro a imprecisão total desta norma.De facto, a precisão determinou a incapacidade de fazer aprovar esta norma. Facto que não impede o Partido Socialista de retomar a mesma matéria com ligeiros cambiantes temporais. Agora são precisos apenas 30 dias nos últimos 5 anos. E não sabemos se é exigível um número mínimo de dias por ano, procedendo-se à técnica contabilística do englobamento, ou se é possível realizar uma visita de férias com duração de 30 dias. Como se faz esta prova?! Como se concretiza esta exigência?!Agora, a acrescentar a estes 30 dias, o Partido Socialista entendeu por bem inserir uma prova de conhecimento da língua portuguesa. Como se concretiza esta exigência?! Valerá a pena saber se o Partido Socialista opta por um certificado de habilitações com alguma durabilidade, de 30, 40 ou 50 anos, ou se, por exemplo, pretende destacar professores de língua portuguesa, com horário zero, para um breve exame das apetências, antes do exercício do direito e com acesso imediato ao resultado - aprovado ou reprovado.O que também não está previsto no texto da lei é se se admitem ou não recursos ao resultado do exame, no momento do exercício do direito.Nós entendemos, Srs. Deputados do Partido Socialista, as inúmeras dificuldades encontradas, até porque elas decorrem da pluralidade dos contextos em que vivem muitos destes cidadãos e destas cidadãs, portugueses e portuguesas, particularmente todos aqueles que residem, há muito, nos quatro cantos do mundo, na procura de melhores condições de vida.Teria valido a pena - e é isto que nós não entendemos, Srs. Deputados - que os subscritores do acordo de 1997 tivessem avaliado as consequências de tamanha trapalhada e da decisão e se tivessem preocupado em garantir que a eleição do primeiro órgão de soberania da República não seria objecto de produção legislativa provisória, casuística, de cinco em cinco anos. Isto, os senhores não tiveram em atenção.
Pela nossa parte, no entanto, mantemos toda a disponibilidade para, em sede de especialidade, melhorar o texto, que disso precisa, e torná-lo, no mínimo, eficaz, coisa que não sucede. Assim o queiram os proponentes.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 101/X, do Partido Socialista, altera o regime da eleição do Presidente da República, alargando o colégio de cidadãos nacionais que, residindo fora do País, pretendam votar nas eleições presidenciais.O voto destes portugueses emigrantes é - convém lembrá-lo - uma das causas e aspirações de sempre da direita portuguesa, e teve rostos tão ilustres na sua defesa como Adelino Amaro da Costa ou Francisco Sá Carneiro.Nos termos deste diploma, para além dos cidadãos portugueses recenseados no território nacional e dos portugueses residentes no estrangeiro que se encontrem inscritos nos cadernos eleitorais para a eleição da Assembleia da República à data da publicação da lei aprovada, são abrangidos ainda, neste universo, os cidadãos portugueses recenseados no estrangeiro: cuja inscrição nos cadernos eleitorais para a eleição da Assembleia da República tenha sido posterior à data da publicação da lei que, entretanto, for aprovada, mas que tenha sido efectuada por transferência de inscrição do território nacional ou de inscrição do estrangeiro anterior àquela data; cuja inscrição tenha sido, ou venha a ser, efectuada com a realização dos 18 anos; ou tenham exercido o direito de voto na última eleição para a Assembleia da República.Além destes, podem ainda usufruir deste direito os cidadãos de outros países de língua portuguesa que residam no território nacional e beneficiem do estatuto de igualdade de direitos políticos, nos termos de convenção internacional e em condições de reciprocidade, desde que inscritos como eleitores no território nacional, para além de outros residentes no estrangeiro por motivos funcionais, como diplomatas ou titulares de órgãos da União Europeia ou de outras organizações internacionais. Ainda abrange os cônjuges ou equiparados, parentes ou afins que vivam com estes cidadãos, desde que preencham os requisitos especificados na mesma lei.Também são abrangidos os portugueses residentes nos Estados-membros da União Europeia ou de língua oficial portuguesa que tenham deixado de ter residência habitual no território nacional há menos de 15 anos, sendo os cidadãos portugueses residentes nos demais Estados igualmente admitidos ao recenseamento eleitoral no caso de terem deixado de residir habitualmente no território nacional há menos de 10 anos. Por fim, estão também incluídos os portugueses que se tenham deslocado a Portugal, e aqui permanecido, pelo menos 30 dias nos últimos cinco anos e fizerem prova do conhecimento da língua portuguesa.Sr. Presidente, o projecto de lei que hoje discutimos, como já foi amplamente citado pelos anteriores oradores, tem por base a proposta de lei n.º 19/VIII, apresentada pelo anterior governo socialista, que foi acompanhada por iniciativas legislativas do CDS-PP e do PSD.Na revisão constitucional de 1997, atribuiu-se o direito de voto na eleição do Presidente da República aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro que se encontrassem em condições especificadas, e bem. Não tão bem foi a remissão então feita para uma lei ordinária quanto à definição do universo eleitoral, do sistema de voto, da forma e do local de exercício do direito de voto, o que manifestou as tais dúvidas aqui levantadas, e correctamente, pelo Sr. Deputado Montalvão Machado, as quais não são mais do que certezas de incapacidade de então, como de hoje, do PS. Por isso surgiu, no desenvolvimento deste comando constitucional, a Lei Orgânica n.° 3/2000, de 24 de Agosto.Ora, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o projecto de lei em debate não reveste um carácter tão radical quanto o anterior, mas em alguns aspectos não partilha da mesma congruência. Propunha-se então o alargamento do direito em causa apenas aos nacionais que estivessem inscritos no recenseamento eleitoral para a Assembleia da República no estrangeiro até 24 de Agosto de 2000 (data da publicação da Lei Orgânica n.° 3/2000).Nessa altura, o CDS-PP, pela voz do Deputado Telmo Correia, propunha uma solução que passava pela admissão no universo eleitoral activo do Presidente da República todos os cidadãos nacionais residentes no estrangeiro que se inscrevessem no recenseamento eleitoral até ao início do período de estabilização dos cadernos eleitorais, ou seja, até 60 dias antes do acto eleitoral, como ocorre em outros actos eleitorais. E que melhor prova, Sr.as e Srs. Deputados, da ligação a Portugal que o recenseamento de um português de forma voluntária?Então, o Partido Socialista e o seu governo repudiaram tais soluções invocando que desvirtuavam o texto constitucional, pois permitiam o recenseamento inusitado sem prever qualquer garantia de que as pessoas que se recenseavam tinham uma efectiva ligação à comunidade nacional. Sucede agora - à semelhança do que já sucedeu noutras matérias, como na limitação de mandatos dos autarcas ou na revisão constitucional - que o Partido Socialista mudou, mais uma vez, de opinião, e, neste caso, para pior, diríamos.A presente iniciativa legislativa apresenta uma manifesta desconformidade - para lhe não chamar inconstitucionalidade - entre as suas disposições e o seu propósito de assegurar a efectiva ligação do eleitor à comunidade nacional. Em primeiro lugar, porque alarga o universo eleitoral até ao existente à data da publicação da nova lei por mero efeito da inscrição no recenseamento para as eleições legislativas. Não nos esqueçamos que desde então já decorreram quase cinco anos sobre a publicação da anterior lei, mais de oito anos sobre a revisão constitucional que a permitiu e já se realizaram duas eleições para a Assembleia da República.Embora não existam dados precisos sobre o número de não residentes considerados como cidadãos portugueses, tomamos por referência as palavras do então ministro Alberto Martins em 13 de Abril de 2000, que disse estimar números que rondavam os 4 milhões de pessoas nestas circunstâncias, ou seja, um português não residente por cada três portugueses residentes em território nacional.Por isso, não podemos deixar de nos questionar se estará o Partido Socialista, com o alargamento do universo eleitoral assim proposto, preocupado com a garantia da efectiva ligação à comunidade portuguesa dos eleitores que se recensearam desde as legislativas de 2002 ou em capitalizar potenciais votos para futuras eleições.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, porque retira do universo eleitoral os cidadãos nacionais que tenham igualmente a nacionalidade de outro Estado e residam no respectivo território e que poderiam votar, em certas circunstâncias.Com efeito, entendia então o Governo que estes cidadãos poderiam votar desde que declarassem, sob compromisso de honra, que aí não participavam na eleição do Presidente da República, no caso de existir.O CDS-PP, por seu lado, entendia que poderiam votar desde que demonstrassem não se encontrar inscritos no recenseamento eleitoral do Estado da residência, solução que o então ministro Alberto Martins considerou de "virtuosa", mas cujo virtuosismo, ao que nos parece, não passou de. meras intenções.Um terceiro aspecto em que as soluções do projecto de lei agora em análise nos não parecem muito curiais é o que respeita aos critérios fixados para a determinação dos eleitores residentes no estrangeiro que podem votar. Verifica-se que existe um regime para os residentes em Estados-membros da União Europeia e em países de língua oficial portuguesa e outro para os residentes noutros países.É certo que estão previstas, à semelhança da proposta de lei citada, "válvulas de escape", mas essa solução, hoje como então, mereceu muito justamente a crítica do CDS-PP, pois não atestava nem garantia qualquer ligação ao território nacional e, pior, permitia consequências perversas e completamente iníquas, como situações em que se retira este direito a um português que, por razões meramente económicas, não teve a oportunidade de se deslocar ao nosso país naquele período mas que, no entanto, manteve total ligação a Portugal. E é de pessoas e de cidadania que hoje falamos e não de números ou de meros sujeitos de uma relação jurídica; nem de votantes de primeira nem de votantes de segunda mas, sim, de portugueses e de votantes.Por isso, comparando-a com a solução agora adoptada, e apesar de se ter subido de três para cinco anos o período limite de abandono de residência habitual em Portugal, parece-nos que será, no mínimo, complexo o processo de comprovação de que o candidato a eleitor permaneceu, pelo menos, 30 dias em Portugal nos últimos cinco anos. É feito por prova testemunhal? É por atestado de junta de freguesia? É por contrato de arrendamento? Não sabemos.Por último, Sr. Presidente, também não compreendemos o alcance da norma que prevê que quem venha a ser inscrito no recenseamento eleitoral ao abrigo desta lei veja nele aposta a menção "eleitor do Presidente da República". Para além de não estar amplamente justificado na "Exposição de motivos", isso não se compreende face ao sistema instituído em Portugal, em que o recenseamento eleitoral é único para todas as eleições.Em conclusão, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o CDS-PP hoje, como ontem, é favorável à extensão do universo eleitoral para as eleições presidenciais, mas, do mesmo modo, hoje, como então, expressa reservas à concretização dessa extensão nos termos em que ela se encontra plasmada no projecto de lei. Não obstante, viabilizá-la-á por forma a permitir a aprovação genérica dos princípios nele contidos e com os quais concorda e, por outro, pela real disponibilidade manifestada pela maioria para, na especialidade, em sede de Comissão, alterar significativamente as soluções concretas propostas.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista apresenta a proposta de décima quinta alteração ao regime jurídico da eleição do Presidente da República e a ironia é que, exactamente no dia em que a discutimos, já sabemos que a décima sexta alteração está na ordem do dia e que, se a doutrina se mantiver, teremos a décima sétima, a décima oitava… De facto, como vários Deputados já disseram, a manutenção do sistema de uma lei para cada eleição estabelecendo o universo eleitoral, é incompreensível. Se calhar, está na altura de o Partido Socialista aceitar aquela que foi, inicialmente, a proposta do Partido Social Democrata no sentido de estabelecer, à semelhança da lei eleitoral para a Assembleia da República, prazos que possam ser genericamente aplicados para definir o universo eleitoral.Contudo - e penso que isto também é consensual -, a proposta apresentada não é, em si mesma, negativa. Penso que faz o consenso das diferentes bancadas alargar aos portugueses residentes no estrangeiro a possibilidade da participação na eleição do Presidente da República.Julgo, porém - e já foram expressas diferentes críticas -, que a proposta fica aquém do seu objectivo essencial, que era o de dar a tal precisão legal ao conceito de efectiva ligação à comunidade nacional. Este é sempre um conceito demasiado ambíguo e eu penso que, nesta Assembleia, já chegou o tempo de percebermos que esta formulação não é útil nem instrumental para definirmos critérios de pertença e de membros em determinado tipo de universos e que, portanto, se calhar, temos de aprender a definir de uma outra forma os critérios de participação.Mas mais do que isso: no entender do Bloco de Esquerda, a proposta de alargamento da capacidade eleitoral a cidadãos estrangeiros residentes em Portugal, com estatuto de igualdade de direito político mas restrito ao universo dos países de língua oficial portuguesa, para nós, é um pouco surpreendente. Por que não alargar esta possibilidade de participação na eleição do Presidente da República a outros cidadãos que também tenham aqui residência, que tenham, ou que possam vir a ter, este estatuto de igualdade de direitos políticos e que façam a tal prova da língua portuguesa? Esta restrição de nacionalidade para a participação não faz, a nosso ver, qualquer sentido, até porque a maior parte dos estrangeiros que vivem em Portugal dominam o Português, estão informados sobre a situação política e devem ter a possibilidade de participar na eleição em causa.Apesar destas discordâncias, o Bloco de Esquerda votará favoravelmente a proposta do Partido Socialista.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O surgimento desta lei tem origem na necessidade de precisar o conceito constitucional que tem a ver com a definição do universo que respeita à efectiva ligação à comunidade nacional. Isto é, a lei constitucional portuguesa diz, de forma implícita, que nem todos os nacionais portugueses têm direito de voto para a eleição do Presidente da República, que só o possuem aqueles que têm uma ligação efectiva à comunidade nacional.E fá-lo por boas razões! A nossa lei da nacionalidade é muito generosa em termos dos jus sanguinis e é muito pouco generosa, pelo que deve ser alterada, em termos dos jus soli. Há netos e bisnetos de portugueses que nada têm a ver com Portugal e que, se não houvesse esta limitação constitucional, teriam o direito de votar. E não é assim! O que se define é que devem votar na eleição do Presidente da República aqueles que estão ligados a Portugal, ou seja, à vida portuguesa, à comunidade portuguesa, à língua portuguesa, à História portuguesa.Com esse objectivo constitucional, o anterior governo do Partido Socialista apresentou uma proposta de lei, a qual teve vencimento em dois pontos: um, muito importante, que obrigou a que o voto dos nossos emigrantes que tivessem a possibilidade de votar na eleição do Presidente da República fosse efectivo e presencial. Porquê? Por razões de verdade democrática. Foi um grande avanço que se verificou…
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - … e contra alguns partidos, sobretudo, inicialmente, contra o PSD. Foi um grande avanço que ficou consagrado. Naturalmente que a lei foi votada por dois terços e isso foi consagrado.O outro ponto que ficou consagrado, indo ao encontro da nossa iniciativa, foi o de que o universo eleitoral fosse constituído por aqueles que estavam recenseados até à data em que a lei foi votada.Quais são os problemas que existem hoje? Os problemas que existem hoje são os seguintes: aqueles que tinham direito de votar até na eleição do Presidente da República começam a ser cada vez menos. O recenseamento já foi há muito tempo, eles vão deixando de estar lá fora, vão deixando de estar inscritos, vão desaparecendo e o universo dos que podem votar é hoje muito pequeno. Daí apresentarmos esta lei para que, na próxima eleição do Presidente da República o universo seja mais largo.E temos algumas dificuldades. Primeiro, o recenseamento é um acto instrumental, não é uma concessão de direitos. Quando, em Portugal, as pessoas se recenseiam para votar têm de ter 18 anos. Aqui não se levanta esta questão mas a de saber quem é que, instrumentalmente, pode vir a recensear-se. Não é o recenseamento que dá direitos de voto, mas o direito de voto é anterior ao recenseamento, que é um acto instrumental do exercício do direito.Vejamos um exemplo: porque tenho 18 anos - eu próprio tenho mais, infelizmente, muitos mais! -, tenho o direito de votar e, para isso, vou recensear-me, para me credenciar para o voto. A questão que aqui se coloca é a montante, é a de saber quem é que pode ter esse direito para se recensear. Evidentemente, neste domínio, há muitas dificuldades, já que este é um conceito indeterminado. Portanto, são bem-vindos todos os contributos que possam vir de todas as bancadas…
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - … pois as dificuldades são grandes, mas não existem algumas das que são colocadas porque essas são artificiais. A questão do exame de língua portuguesa é, de facto, uma dificuldade grande, mas a da presença, que é colocada como sendo uma dificuldade, na verdade, não o é. A prova da presença faz-se recorrendo a toda a prova que é permitida em Direito. É dessa forma que se procede para outras coisas, porventura mais exigentes.Portanto, quanto à prova de presença, toda a prova permitida em Direito é utilizada. Tal procedimento é um requisito para actos de maior delicadeza e exigência, pelo que, aí, não há problemas. Mas estamos de acordo de que esta é uma questão complexa.Todos sabemos, também, que não há leis eternas. Nós queremos dar um passo e, pela nossa parte, contamos com o contributo de todas as bancadas para aperfeiçoar o texto que, hoje, aqui propomos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 101/X.