quarta-feira, julho 06, 2005

Cartas sem resposta

Um dos maiores defeitos do governo de José Sócrates é o de não responder a quem se lhe dirige, mesmo quando as questões são importantes e prementes.
No dia 6 de Maio dirigi a carta que se segue ao Ministro da Economia.
A carta fala por si e a realidade pode ser observada.
O mínimo razoavelmente exigível seria que o Ministro mandasse apurar o que se passava.
Mas não... Fechou-se em copas.
Eu sei que há interesses imobiliários que falam mais alto do que o interesse em manter o emprego de umas dezenas de trabalhadores.
Mas fico triste quando assisto a este silêncio.
Nem o Ministro disse nada nem o gabinete de José Sócrates, a quem enviei cópia, deu qualquer resposta.
De fábrica fechada - como reacção ao ataque da Segurança Social, que deixa descansados outros empresários que lhe devem muito mais do que a Jorgen Mortensen - o casal Mortensen continua a fazer encomendas a outras fábricas na Marinha Grande e, ao que me dizem, será neste momento a principal fonte das exportações daquela região vidreira para o estrangeiro.
Aqui fica a carta e a denúncia do desinteresse que a falta de resposta implica.

Exmº Senhor
Ministro da Economia
Doutor Manuel de Pinho
Rua Laura Alves, 4 - 11º
1050 - 138 LISBOA




MUITO URGENTE
Lisboa, 6 de Maio de 2005
Assunto: Insolvência da Jorgen Mortensen Limitada

Representamos os Srs. Jorgen Mortensen e Ana Mortensen e as sociedades Jorgen Mortensen – Sociedade de Investimentos Imobiliários e Participações, S. A. e JM Glass Vidros da Marinha Grande S.A., com sede na Marinha Grande.
Reporto-me nesta carta à insolvência da sociedade Jorgen Mortensen Limitada, de que os meus clientes são sócios ou a que estão associados, começando por afirmar, como convém numa carta que se dirige a um ministro – meia dúzia de verdades que tenho por axiomáticas:

a) Esta declaração de insolvência, consequência de um pedido da próprio gerência, é a consequência natural da aplicação da lei vigente;
b) Se a lei fosse respeitada, muitas das empresas concorrentes já teriam sido declaradas insolventes porque estão em pior situação do que a Jorgen Mortensen Limitada;
c) A declaração de insolvência, com o quadro que tem no novo Código da Insolvência obriga a uma postura diferente da adoptada na lei anterior, sob pena de se sacrificar ao equilibrio das contas o essencial do valor das empresas como entidades sociais e de qualquer credor poder manipular o mercado;
d) No caso concreto da Jorgen Mortensen Limitada há indícios fortes do envolvimento de entidades públicas num projecto para a destruição desta empresa, com vista ao favorecimento de um cartel controlado pelo Estado, que lhe faz concorrência, utilizando fundos públicos.
d) A Jorgen Mortensen Limitada, agora declarada insolvente é a única empresa de cristalaria da Marinha Grande com capacidade e know how para a produção de vidros de «segmento alto» em termos de qualidade.
e) A empresa insolvente tem trabalhadores qualificadíssimos, tem clientes no estrangeiro e tem encomendas, que não podem ser fabricadas em nenhuma outra fábrica em Portugal.
f) Não há nenhum interesse público que possa justificar o encerramento definitivo de uma unidade que é economicamente viável e altamente lucrativa e que é a única que tem potencialidades para operar na produção de vidro de «Segmento alto».
g) Se o Governo estiver efectivamente interessado em manter o emprego em vez de o destruir e em proteger unidades industriais de topo, encontrar-se-à em curto prazo uma solução que permitirá repor em funcionamento a fábrica dos Mortensen e recriar os postos de trabalho que se anularam.

Parto para estes axiomas de uma leitura atenta dos pressupostos do actual Código da Insolvência e dos textos comunitários que lhe servem de base.
Quando a situação financeira das empresas se degrada, é urgente adoptar medidas adequadas a proteger os interesses de todos aqueles com quem elas têm uma vida de relação.
Essa é a única maneira de salvaguardar os valores patrimoniais e não patrimoniais que as empresas acumulam. Na sociedade global, é precisamente este último grupo de valores o mais relevante.
O know-how, os métodos e processos e a qualidade não são levados ao balanço – ao menos nas situações críticas, em que nunca se discute o valor do good-will – mas são, seguramente, os mais importantes quando deixamos de pensar no núcleo e pensamos no País.
Penso que se justifica que, nesse pressuposto, Vª Exª perca uns minutos a informar-se sobre a realidade do «caso Mortensen», que aqui esboço em traços largos.

O Sr. Jorgen Mortensen é considerado uma da maiores autoridades mundiais em matéria de vidro.
Em 1993, Jorgen Mortensen comprou ao Estado os activos da Fábrica Escola Irmãos Stephens S. A., na Marinha Grande e refundou essa unidade secular.
Já antes tinha adquirido a empresa J. Ferreira Custódio Lda, outro cancro da indústria vidreira da Marinha Grande.
Mortensen conseguiu fazer renascer das cinzas estas duas empresas, que se fundiram na Jorgen Mortensen Limitada, e demonstrou que a indústria vidreira é altamente lucrativa e pode viver sem subsídios desde que produza com qualidade.
Conhecedor da história dos Stephens ( para melhor informação ler o livro «Glass» de Jenifer Roberts, publicado pela Templeton, em 2003) ele tentou repetir a sua proeza, porém sem os favores públicos que aquele houve do Marquês. E conseguiu-o até ao momento em que contra ele abriram uma guerra total, que envolveu sobretudo por via de omissões cúmplices, importantes figuras do Estado.
Em 1999, a Jorgen Mortensen Lda exportou 7.254.385 €.
Em 2000, apesar de uma grave crise que a afectou, exportou 7.064.783 €.
No verão de 2001, a empresa foi afectada por uma greve que quase a destruiu e cujos contornos são muito mal conhecidos, tanto pelo público como pela maior parte da classe política.
Não temos nenhuma dúvida de que o poder político se envolveu demasiado, no sentido de destruir a Jorgen Mortensen Limitada, como forma de privilegiar os interesses concorrentes. Essa matéria está suficientemente documentada e não vamos repisar nela.
É matéria para um livro que em breve virá a público, como forma de denúncia de um neo-corporativismo e de novo condicionamento industrial.

Escrevo esta carta a Vª Exª apenas porque quero acreditar que à mudança do discurso político poderá corresponder a efectiva vontade de uma mudança de políticas.
Os meus constituintes não tem conseguido passar (sobretudo junto do poder político e da comunicação social) a verdade efectiva da situação para que se arrastou a Jorgen Mortensen Limitada, que é sistematicamente deformada, ao sabor dos interesses que se jogam em torno da crise que afecta a indústria da cristalaria.
Seria imperioso, antes de tudo, que o Governo nomeasse uma comissão, constituída por gente séria e independente - desligada do sector da cristalaria – para analisar a situação.

Resumimo-la, de forma muito sintética, nos termos seguintes:
1. Jorgen Mortensen trouxe à Marinha Grande um design novo e novas técnicas de produção de cristal sem chumbo, que colocaram a sua fábrica no topo do ranking mundial da qualidade do vidro. Esta é uma verdade indiscutível. Apesar da crise, a Jorgen Mortensen Limitada ganhou o prémio “Estrela Internacional WQC”, categoria ouro, atribuído para o ano de 2004 pelo Comité Internacional de Selecção do Business Initiative Directions (
www.bid-quality.com).
2. Esta fábrica é a única com capacidade e know-how indispensáveis para a produção de peças de alto valor acrescentado (peças acima dos 7 quilos), dispondo de equipamentos preparados para tal fim e, sobretudo, de uma equipa de operários que tem uma preparação e um conhecimento técnico inigualável e inaproveitável no quadro de qualquer outra empresa.
3. Os Mortensen (ao contrário da generalidade da concorrência) têm encomendas, todas dos mercados internacionais, a preços que são lucrativos. Estão a fabricar algumas encomendas, com qualidade diminuída, noutras fábricas; mas não conseguem produzir em nenhuma outra fábrica do País a parte mais importante dessas encomendas, constituída por peças de maior dimensão com tipos de acabamento que a generalidade das empresas não domina.
4. A evolução da situação nos últimos cinco anos, leva-nos a concluir que o cerco que tem sido feito aos Mortensen, visando a sua eliminação do mercado tem a ver com dois tipos de questões:
4.1. Em primeiro lugar com projectos imobiliários para a área em que se encontra instalada a fábrica há quase 300 anos;
4.2. Em segundo lugar com o interesse da concorrência (em que pauta o Estado) na eliminação de padrões de qualidade que, alegadamente, lhe prejudicam os negócios.
5. Só com um intervenção pública enérgica, no sentido de garantir uma efectiva concorrência, em vez de permitir que os organismos públicos, à mercê de interesses particulares, estrangulem as empresas, será possivel recuperar esta unidade industrial e permitir a sobrevivência de uma indústria vidreira de alta qualidade, como a que os Mortensen têm desenvolvido.

O Estado procedeu em 1993 (há muito pouco tempo) à venda dos activos da Fábrica Escola Irmãos Stephens, que foi durante duas décadas um sorvedouro de dinheiros públicos. Entre esses activos estava um prédio, no centro da Marinha Grande, que é apetecível por potenciar grandes lucros se o conseguirem colocar no mercado imobiliário. Para isso é preciso destruir a fábrica.
De outro lado, a indústria vidreira portuguesa foi moldada nos últimos cinquenta anos em função de um conjunto de interesses privados, misturados, de forma sempre promiscua, com um aparente interesse público.
O paternalismo/proteccionismo foi sempre uma constante. E continua a sê-lo, o que em nada beneficia a indústria, mas protege, de forma escandalosa interesses de funcionários, de políticos e de dirigentes associativos.
Apregoa-se ao país que há um agrupamento complementar de empresas denominado Vitrocristal ACE, no qual estarão reunidas todas as empresas vidreiras da Marinha Grande.
Mas isso não passa de um enorme embuste: a Vitrocristal ACE não é um agrupamento de empresas (tem apenas uma que com ele litiga). É uma empresa em que pautam, como sócios com papel predominante, dois institutos públicos (o ICEP e o IAPMEI) que, sendo como são entidades infuentes na distribuição de subsídios, se locupletam a si mesmos, subsidiando uma empresa de são sócios, com detrimento das demais.
Temos para nós que a Vitrocristal ACE não é mais do que uma peça de um esquema adequado a subsidiar (por via indirecta) empresas que, por deverem dinheiro ao fisco e à Segurança Social, não teriam condições para haver subsídios em condições de transparência.
Nada produzindo – porque não produz – a Vitrocristal despende recursos públicos para a comercialização de produtos de empresas que, devem dinheiro ao Estado e à Segurança Social, não poderiam candidatar-se a quaisquer subsídios.
A marca MGlass – que falta de imaginação – foi lançada como operação ad homine contra Jorgen Mortensen, que é, há muitos anos titular da marca JMGlass. Foi, obviamente, uma sujeira, que só indignifica quem o fez, com o alto patrocínio do Estado.
Mas mais grave do que essa sujeira é o Estado, com manifesto patrocínio de concorrência desleal, ter permitido a deformação da marca, transformando-a de marca regional em marca de produto, como se a um fabricante pertencesse, com a óbvia intenção de enganar os consumidores.
Isto tem custado milhões ao Estado e não levará a nenhum lado, para além da destruição da indústria da cristalaria.
É por demais evidente que num sistema como este não pode permitir-se que existam empresas eficazes e lucrativas, que conseguem competir nos mercados internacionais e ganhar dinheiro, como acontecia com a Jorgen Mortensen Limitada.
É evidente que num sistema como este não pode permitir-se que existam empresas que paguem pontualmente os seus impostos e encargos com a Segurança Social.

O que aconteceu com a Jorgen Mortensen Limitada é demasiado chocante:
1. Quando a empresa procurava expandir a produção, sabotaram-lhe pelo menos um forno, sendo a investigação de tal crime completamente abafada;
2. Quando, depois de descoberta a sabotagem, a empresa retomou o seu curso normal, foi decretada uma greve, com contornos ainda hoje estranhos, tendo sido bloqueada a saída de mercadorias com o entulhamento das entradas da fábrica.
3. O bloqueio da entrada da fábrica foi permitido pelo então governador civil de Leiria, hoje administrador da Vitrocristal, apesar de não se lhe conhecer nenhuma ligação à indústria.
4. Durante a greve, Jorgen Mortensen foi pressionado a vender a fábrica, numa reunião em que participaram os principais dirigentes políticos e representantes do Governo.
5. Com esse bloqueio, a empresa perdeu os seus principais clientes, sendo certo que se as mercadorias tivesse seguido os seus destinos a empresa ficaria com uma situação equilibrada, solvendo todos os compromissos vencidos.
6. Antes da referida greve a Jorgen Mortensen Limitada não devia um cêntimo ao Estado ou à Segurança Social.
7. Restaurada a paz social nos finais de 2001, foi introduzido no Tribunal Judicial da Marinha Grande um processo especial de recuperação, sendo a final aprovada uma medida de recuperação de empresa de que relevam, como elementos principais, os seguintes:
7.1. Fusão da Jorgen Mortensen Limitada ( a empresa que explorava a fábrica) com a Jorgen Mortensen – Sociedade de Investimentos Imobiliários Lda, por absorção da primeira;
7.2. Envolvimento de todo o património imobiliário dos sócios no projecto de recuperação da empresa;
7.3. Dação em pagamento dos imóveis dos sócios (cerca de 4 milhões de euros) ao BCP, com a celebração simultânea de uma operação de leasing que permitiria a recuperação desses património.
7.4. Pagamento aos credores comuns em quinze anos e ao Estado e à Segurança Social (que entretanto passaram a ser credores) no prazo de cinco anos.
7.5. Manutenção de 140 postos de trabalho.
8. Na assembleia de credores surgiram duas propostas: uma que previa a entrega da gestão da empresa a terceiros, patrocinada pelo gestor judicial, e outra apresentada pela própria empresa, elaborada por uma equipa liderada pelo Prof. Fernando de Carvalho, da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
9. Esta última proposta de medida de recuperação – da iniciativa da empresa - foi aprovada por cerca de 80% dos credores, mas mereceu a oposição dos responsáveis da Segurança Social e do representante do Estado, apesar de se ter feito a demonstração de que uma tal posição constituía uma acto de manifesta gestão danosa, pois que o valor que o sistema de segurança social teria que suportar no curto prazo era incomparavelmente maior do que o do crédito naquele momento, que, vistas as contas, claramente não podia ser pago no imediato.
10. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e o Fundo de Garantia Salarial recorreram da decisão homologatória da deliberação adoptada pela assembleia de credores, tendo sido dado provimento ao recurso, apesar da demonstração da sua falta de senso, com o único fundamento de que a lei exige a não oposição dessa entidades públicas para que a moratória seja possivel.
11. Perante o estrangulamento a que foi sujeita pelas posições adoptadas pelas entidades públicas, a Jorgen Mortensen Limitada viu-se obrigada a reduzir os trabalhadores activos a cerca de metade, porque, tendo embora encomendas, não dispunha de fundos para os combustíveis e matérias primas e não tinha, no quadro de instabilidade em que passou a laborar, acesso ao crédito.
12. Essa decisão de gestão mereceu a aprovação da Mmª Juiz do Tribunal Judicial da Marinha Grande, tendo sido contestada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira, que sempre preferiram, estranhamente, ver todos os trabalhadores no desemprego, em vez de manter os postos de trabalho que era possivel manter.
13. Essa decisão inteligente e corajosa da juíza da Marinha Grande foi impugnada com o patrocínio do Sindicato e obteve provimento da Relação de Coimbra, que condenou a sociedade a readmitir os trabalhadores inactivos e a pagar-lhes os salários correspondentes ao período da inactividade.
14. O Sindicato notificou a empresa para dar cumprimento a essa decisão.
15. Neste quadro, tinham os responsáveis da empresa duas saídas:
15.1. Ou desrespeitavam a decisão judicial, continuando a laborar e a pagar apenas aos trabalhadores que trabalhavam, incorrendo num crime;
15.2. Ou respeitavam a decisão judicial, rateando os fundos disponíveis para pagamento de salários e abrindo uma crise que conduziria ao encerramento da fábrica. Atento o tempo que o Tribunal da Relação demorou a tomar uma decisão, estaríamos perante o paradoxo de ter que pagar aos trabalhadores inactivos milhares de euros e aos activos uns magros cêntimos.
16. Perante este quadro, no último dia de Janeiro deste ano – dia em que se procedeu ao pagamento da retribuição desse mês – a gerência da empresa explicou aos trabalhadores que, perante esta decisão judicial, não lhe era possivel pagar os salários do mês de Fevereiro e que se iria apresentar à insolvência.
17. A insolvência foi declarada no dia 15/02/2005, sendo certo que a produção cessou no dia 1 de Fevereiro de 2005.
18. A empresa apresentou-se á insolvência com os salários em dia, tendo pago inclusivamente os montantes descontados aos trabalhadores para entrega á Segurança Social e ao fisco.

O processo de recuperação de empresa correu sob um espectro muito estranho.
Durante o seu curso verificaram-se manifestações várias que me causaram a maior estranheza e a maior perplexidade.
Numa belo dia foi-me proposto que baixasse as mãos e cooperasse no sentido de permitir a viabilização de uma proposta de recuperação assente na gestão controlada e no afastamentos dos Mortensen da empresa. Ganharia com isso 250.000 €...
Reuni nesse mesmo dia com os Mortensen e falei nesse mesmo dia com o Prof. Fernando de Carvalho, a quem, em nome dos meus cliente pedi que preparasse o projecto que acabou por ser aprovado.
O gestor judicial apresentou outro projecto que, curiosamente, previa o afastamento dos sócios principais da empresa.

Apesar da forte votação que aprovou a medida de recuperação, as entidades públicas opuseram-se-lhe por via de recurso, o que colocou a empresa numa situação muito dificil.

Atenta a completa falta de crédito mercantil e a insegurança que os clientes passaram a manifestar, aconselhamos os gerentes e alguns clientes a associarem os seus interesses e a constituir uma nova sociedade vocacionada especialmente para o comércio.
Esta sociedade – a JMGlass – Vidros da Marinha Grande S.A., absorveu os trabalhadores da área comercial e encontrou os meios para financiar a continuação da produção.
Neste momento, em Maio de 2005, apesar de muitos clientes terem suspendido os seus pedidos, a JMGlass tem uma carteira de encomendas de mais de 500.000 € para os próximos dois meses. E ao invés de ser apoiada é sabotada pelas entidades públicas.
Na última reunião da assembleia de credores, lancei um repto ao IAPMEI no sentido de encontrar fábricas onde possam ser produzidas estas encomendas, recebendo da parte do seu representante, o Dr. Amadeu Boleixa, um simples sorriso amarelo.
As entidades públicas envolvidas não manifestaram o mínimo interesse em que continue a produzir-se cristal sem chumbo, de alto valor acrescentado, por encomenda dos Mortensen ou dos seus clientes internacionais. Bem pelo contrário, agem como quem esteja interessado em que essas encomendas não se realizem em Portugal.
Tudo tem sido feito, de forma directa e indirecta, para encobrir a realidade e para inviabilizar a retoma do funcionamento desta unidade industrial.
Podia ler-se há dias no «Diário Económico»:

«A marca Mglass, associada à criação da região demarcada de vidro da Marinha Grande já envolveu um investimento superior a 22 milhões de euros, contabilizando apenas os dois contratos programa aprovados desde 2001. A comparticipação pública rondou os 75%.
Apesar dos montantes, o presidente da AIC chama atenção para o facto de não haver exemplo de marcas internacionais criadas em tão pouco tempo e com investimento tão reduzido. Sobre alegadas dificuldades na execução, o dirigente lembra que o Estado, através do IAPMEI, tem uma participação no capital da Vitrocristal, não podendo por isso distanciar-se de eventuais responsabilidades. Quanto ao envolvimento das empresas da região com o projecto, Fernando Esperança reconhece que “houve desconfianças”.“As pessoas sentiram que se estava a tentar criar uma imagem, a apontar para um segmento de mercado que não era o que as empresas detinham, que se queria concorrer com Lalique, Baccarat, Waterford. Temos noção de que o objectivo é o segmento alto. Agora para quem está no segmento médio ou baixo, passar imediatamente para o alto não é possível. A menos que se injecte muito milhões de euros que sustentem essa mudança. Não existindo esses meios, é muito difícil à empresa dar esse salto.”
Ainda assim, sublinha, “a marca foi indispensável para aumentar competências. Não houve melhorias do ponto de vista económico/financeiro, mas se não tivesse existido, provavelmente, o sector já teria morrido”.»

Há neste momento um fortíssima pressão de lobbying visando a obtenção de subsídios para um projecto que não tem nenhuma hipótese, por manifesta falta de qualidade da sua execução.
Não é possivel entrar no «segmento alto» do vidro sem competências ou destruindo competências. Por isso, tudo o que se tem feito e o que se projecta fazer redundará em dinheiro lançado à rua, como ainda há dias afirmou numa conferência sobre o uso das marcas o antigo ministro da Economia , Prof. Daniel Bessa.
O que se vem fazendo na Marinha Grande, com o meticuloso envolvimento de representantes do Estado é a tentativa de destruição da única unidade cujos produtos, pela sua qualidade e pelo seu valor, se colocam no segmento alto.
E compreende-se que seja assim porque há fortes interesses envolvido, alguns com um peso político determinante.
Seria muito interessante que Vª Exª mandasse analisar o escândalo da gestão dos dinheiros públicos envolvidos no caso Mandata, a diferença de postura dos agentes do Estado no mesmo caso e no caso Mortensen.
Seria muito interessante que o Governo mandasse apurar porque é que, deliberadamente, sabendo que isso causaria prejuízos de milhões de euros aos cofres públicos, os representantes da Segurança Social se opuseram à medida de recuperação aprovada pela assembleia de credores.
Seria muito interessante que o Governo mandasse apurar porque razão se registou uma manifesta diferença do tratamento dado pelas instituições da Segurança Social à sociedade Jorgen Mortensen Limitada e às demais empresas do sector, quando é certo que, antes da referida greve, a Mortensen nada devia ao Estado nem à Segurança Social.

A insolvência foi decretada e tinha que ser decretada, por ser absolutamente inviável a recuperação da sociedade, depois das tropelias feitas pelas entidades públicas.
Mas existem os elementos indispensáveis para o aproveitamento dos elementos do activo desta empresa e o relançamento da única unidade industrial com capacidade e know how para se situar no escalão mais alto da qualidade da cristalaria.

É possivel repor esta fábrica em funcionamento no prazo de quinze dias, desde que se associem os diversos interesses em jogo.

a) Em primeiro lugar, é preciso evitar a sanha das entidades públicas (ao que parece acompanhadas pelo próprio sindicato) no sentido do desmantelamento da fábrica. Os maiores receios reportam-se ao papel do IAPMEI, que tem tido em todo este processo um comportamento muito obscuro e que tem, objectivamente, interesse no encerramento desta empresa, atenta a sua posição na Vitrocristal.
O equipamento é perfeitamente actual e não vale nada se for desintalado.
Em contrapartida, a instalação de uma unidade deste tipo (não há nenhuma em Portugal com esta capacidade) custaria um mínimo de 15 milhões de euros.
b) Existe – ainda não foi desfeita – uma equipa de vidreiros que tem um conhecimento técnico único no País. Este conhecimento não é utilizável por outras empresas nem é transmissível, porque não se produzem em Portugal peças do padrão em que ele é exigível.
Os próprios centros de formação não dispõem desses conhecimentos.
Jorgen Mortensen considera que, na hipótese de não ser possivel reabrir a fábrica nos próximos seis meses, se perdem quase 400 anos de trabalho, tempo cumulado necessário para se conseguir uma equipa idêntica.
c) Há encomendas e possibilidades de as expandir. Mas isso só é possivel desde que os Mortensen permaneçam associados ao projecto, pois que este tipo de cliente exige uma garantia de qualidade que passa por uma relação muito estreita com o criador.

Pergunta-se-à agora o que é necessário fazer para repor esta unidade em funcionamento.
Na nossa opinião é viável reiniciar a actividade e dar emprego imediato a cerca de 40 trabalhadores, seguindo-se os seguintes passos:

I. Negociação entre a Jorgen Mortensen – Sociedade de Investimentos Imobiliários e o BCP
A Jorgen Mortensen – Sociedade de Investimentos Imobiliários e Participações S.A. ofereceu garantia hipotecária a favor da insolvente ao Banco Comercial Português.
No quadro do processo especial de recuperação de empresa foi aprovada uma medida de recuperação que passava pela dação em pagamento ao BCP do imóvel em que se encontra a fábrica, com a celebração simultânea de um contrato de leasing, o que permitiria recuperar o património, pois que a Mortensen Imobiliária absorveria a agora insolvente por fusão.
Foi feita a dação em pagamento, para recriar a confiança do banco, mas não se preencheram as condições do seu enquadramento, porque, tendo a Segurança Social oferecido oposição à medida aprovada, deixou de haver condições para a fusão e porque, de outro lado, o banco não celebrou o contrato de leasing.
A Jorgen Mortensen – Sociedade de Investimentos Imobiliários e Participações S.A. propôs uma acção contra o BCP, em que peticiona a anulação da dação em pagamento.
A Jorgen Mortensen – Sociedade de Investimentos Imobiliários e Participações S.A. continua com a posse do imóvel e está interessada em solver os seus compromissos, como garante, e em reaver o edifício.
É indispensável encontrar uma solução negociada com o BCP, visando a celebração do contrato de leasing a favor da dadora.
É indispensável racionalizar a utilização do espaço e obter receitas que permitam suportar as rendas do leasing.
A Jorgen Mortensen – Sociedade de Investimentos Imobiliários e Participações S.A., celebrado o contrato de leasing com o BCP apresentaria à administradora da insolvência proposta de compra de todos os elementos do activo do estabelecimento industrial.
A Jorgen Mortensen – Sociedade de Investimentos Imobiliários e Participações S.A. é uma outra sociedade, agora com outros accionistas e está numa situação em que sobreleva o interesse na recuperação do imóvel.

II. Constituição de uma nova sociedade que reabra a unidade fabril
Afigura-se-nos que o melhor caminho para reabrir a unidade fabril será o da constituição de uma nova sociedade (anónima eventualmente com apelo à subscrição pública e ao capital de risco) que
a. Celebre com a Jorgen Mortensen – Sociedade de Investimentos Imobiliários e Participações S. A. um contrato de cessão de exploração, por valor que permita suportar os encargos daquela com o contrato de leasing na proporção do espaço ocupado;
b. Contrate os trabalhadores indispensáveis ao relançamento da produção;
c. Celebre com os fornecedores os contratos indispensáveis à produção.
d. Adquira à massa insolvente a parte do stock não acabado.

Os Mortensen estão dispostos a colocar alguns activos nesta sociedade e a dar o seu melhor contributo para a gestão industrial, mas veriam como muito interessante que ela fosse administrada por gestores profissionais afectos aos novos investidores.

III. Consolidação da JMGlass – Vidros da Marinha Grande S. A. como empresa comercial
Para acelerar o crescimento da produção industrial é indispensável encontrar apoios para a consolidação da JMGlass – Vidros da Marinha Grande S. A., em termos que evitem a distorção da concorrência e que têm que ser aferidos pelo volume efectivo das exportações.
É absolutamente inadmissível que a Vitrocristal receba milhões de euros para o exercício da sua actividade com um reduzidíssimo valor de exportações e que a principal concorrente tenha que suportar todos os seus custos de promoção comercial e seja discriminada em todas as operações em que operam entidades públicas.

O Sr. Jorgen Mortensen e a Srª D. Ana Mortensen estão absolutamente disponíveis para cooperar com qualquer entidade que se apresente de forma séria para o desenvolvimento de um projecto assente na concertação dos diversos interesses em jogo.
Mas não estão, naturalmente, interessados em dormir com o seu próprio inimigo, pelo que descartam qualquer entendimento com os representantes dos interesses que têm procurado liquidá-los.
Veriam os Mortensen com muito interesse a intervenção de entidades de capital de risco, associadas a jovens gestores sem vícios, no quadro da iniciativa recentemente anunciada por Vª Exª e pelo Sr. Primeiro Ministro. Seria possivel aproveitar, por tal via, parte do trabalho feito pelo Prof. Fernando de Carvalho, da Faculdade de Economia de Coimbra, no quadro do processo de recuperação.
Para que Vª Exª possa apreciar, de forma ponderada a situação da empresa insolvente no quadro do sector da cristalaria, indispensável se torna que mande apreciar o que aqui se passa por alguém independente e descomprometido.
E para que consiga mudar o que está mal é preciso coragem e é preciso passar por cima de muitos interesses instalados e habituados há dezenas de anos a mamar na teta orçamental.
É um crime deixar acabar o melhor da indústria vidreira da Marinha Grande, sobretudo quando é possivel ganhar muito dinheiro neste sector, porque, como diz Jorgen Mortensen, estão aqui os melhores vidreiros do Mundo.
Estranha é que o seu próprio sindicato os queira ver no desemprego.
Cada dia que passa é uma perda. Perdem-se os clientes, perdem-se as memórias e perde-se o domínio de técnicas que se apuraram durante anos e anos.
Não foi por acaso que se fez nesta fábrica o maior copo de vinho do Porto do Mundo.
Se deixarem acabar esta equipa sem que ela transmita os conhecimentos que acumulou isso nunca mais será possivel.
O Sr. Mortensen e eu próprio manifestamos a nossa disponbilidade para um encontro com Vª Exª em data da sua conveniência.

Os meus melhores cumprimentos



Miguel Reis