Estava eu em S. Paulo quando me telefonou Miguel, um gerente comercial de Genebra, pedindo a minha ajuda para fazer uma procuração de sua esposa no Consulado Geral de Portugal naquela cidade brasileira.
Impossível no tempo em que ele o pretendia fazer - disse-lhe eu.
Miguel partiria de Genebra no domingo, dia 3 de Julho mas teria que regressar á Suiça no dia 8.
Muito pouco tempo. Precisaria pelo menos de 10 dias e não poderiamos garantir-lhe nada, nem sequer que conseguiriamos legalizar junto do referido consulado um documento processado por um notário brasileiro.
A situação era muito grave e Miguel tinha urgência.
Ele tinha a mulher a uma criança de quatro anos retidos em S. Paulo, porque havia um problema com os documentos brasileiros da esposa, que tinha implicações relativamente ao registo do menor, na Suiça e em Portugal.
Acompanhamos a situação junto da justiça do Brasil e o magistrado que tinha o processo manifestou uma grande disponibilidade para facilitar o regresso da esposa de Miguel e da criança para a Suiça. Mas, para que isso fosse possivel, era indispensável fazer emitir passaportes em nome de uma e de outro. Desde logo, tornava-se indispensável registar correctamente a criança no registo civil português, o que só podia ser feito na área do Consulado de Portugal em Genebra, onde nasceu a criança, ou em Lisboa, na Conservatória dos Registos Centrais, se o conservador fechasse os olhos ao artº 47º do Regulamento da Nacionalidade, essa barbaridade com vários anos que restringe o acesso dos emigrantes portugueses à repartição do ghetto da sua residência.
Um conservador da Conservatória dos Registos Centrais compreendeu o drama de Miguel e até lhe facultou uma minuta da procuração que haveria de formalizar em S. Paulo.
Tentamos marcar a escritura a partir do nosso escritório e disseram-nos literalmente que era impossivel.
Eu próprio fiz vários telefonemas e invoquei a minha qualidade de advogado, inscrito na Ordem dos Advogados de Portugal e... mandaram-me, literalmente, bugiar.
Miguel ligou várias vezes a tentar contar a história mas ninguém o atendeu.
Bater à porta do Consulado e falar com alguém tornou-se para Miguel uma missão impossivel.
«Se não fosse comigo eu não acreditava» - disse-nos.
Conseguiamos fazer a procuração em causa num notário brasileiro. Mas, apesar de isso não ser legalmente obrigatório, a Conservatória dos Registos Centrais passou a exigir agora a legalização dos documentos estrangeiros junto dos consulados de Portugal.
Formas imaginativas de evitar o trabalho multiplicam-se nas nossas repartições sem que alguém reaja. E, por isso, os serviços públicos que não estejam sob o controlo dos media pioram todos os dias.
O que nos vale em Portugal acaba por ser a capacidade critica dos jornais. As coisas melhoram sempre que os jornais e as televisões fazem denúncias.
Infelizmente nas «colónias» da nossa emigração (e digo colónias porque a postura dos intervenientes é verdadeiramente colonial) a imprensa é absolutamente invertebrada, por razões que são facilmente perceptiveis... Para onde iriam os anúncios se falassem?
É que está tudo viciado: os grandes anunciantes são os financiadores dos principais interessados neste estado de coisas.
O esclarecimento rigososo e completo das contas relacionadas com as obras nas novas instalações consulares e na residência do cônsul de Portugal em S. Paulo talvez possa elucidar-nos sobre alguns aspectos mais grotescos de todo este estado de coisas. A começar pela questão de saber porque é que a imprensa está absolutamente controlada e perdeu toda a sua capacidade critica, o que é mais barato do que perder os anúncios.