Relatorio ALFA - 75 Mil brasileiros serão ''marcados'' com chip localizador americano
Interessante esta história.
Pena que o meu romance deixe de ser de antecipação, mas passar a ser realidade...
Aqui fica um excerto:
Interessante esta história.
Pena que o meu romance deixe de ser de antecipação, mas passar a ser realidade...
Aqui fica um excerto:
Jorge Constant foi atraído àquela mesma casa do Restelo pela mão do seu assessor Francisco Geraldes, no fim de um tumultuoso conselho de ministros. Não se sabe bem qual era a ideia, mas os mais bem informados dizem que tudo não passou de uma tentativa de abordagem para um negócio. Luis António tinha trazido do Brasil uma arma secreta para as próximas eleições: nem mais nem menos do que um chip que permitia que todos os animais pudessem ser detectados e controlados por satélite, coisa de importância primordial para o futuro político do país. Geraldes estava a par e sabia que o assunto era ultra-secreto, pelo que o melhor modo de o abordar não era o de levar Maomé à montanha mas o de levar a montanha a Maomé.
Chegados os dois lá estavam Luis António e a mulher Maria Luisa, mas também aquela beldade que se chama Giselle, que eles convidaram para visitar o país e ficar uns dias em casa. A única coisa que Geraldes sabe é que entraram os outros quatro para um compartimento a que ele não teve acesso, tal era o segredo que envolvia o assunto de que o assessor tinha ouvido falar apenas pela rama.
Passadas quatro horas, Jorge Constant saiu visivelmente perturbado e tenso. Bebeu uma cerveja, falou de banalidades, sempre o Sporting e o Benfica, que são do que se fala quando não há mais nada a falar ou quando não se quer falar do que se deseja e esperou pela chegada da noite.
Não se fala disto a ninguém – disse Constant ao assessor, quando dali saíram.
(...)
Logo se viu porque se justificava a discriminação prática, que não juridica, entre entre dois grandes grupos de animais, dos que vivem com pé em terra, que são os únicos que nesta matéria relevam. De um lado ficam os grandes, os que têm direito a voto; do outro ficam os minúsculos, os que, por razões técnicas não podem votar.
Esta expressâo «razões técnicas» é das mesma família de tantas outras que se usam todos os dias mas que ninguém entende porque foram inventadas precisamente para isso, ou seja para se usarem tapando os buracos dos discursos sem que alguém perceba o seu conteúdo. Foi assim que nasceram a geometria variável - parece que inventada por um maçon de uma loja italiana - a Europa a duas velocidades, a rendibilidade marginal, o pacto de estabilidade e crescimento, aparecendo agora as incapacidades técnicas, fundadas nas ditas razões homónimas, para distinguir os animais com tamanho para suportar um chip e os que ainda o não têm, apesar dos esforços feitos pelo Eng. Jorge Chung para os encontrar.
O chip é um elemento determinante da nova democracia, ao ponto de se poder dizer que sem chip não há democracia. É evidente que ninguém pode pretender que, apesar da revolução, as crianças, a começar pelos nascituros, comecem a votar sem apoio de ninguém. Os recém-nascidos passam a ter direito de voto, como não podia deixar de ser, apesar de os humanos só começarem a andar perto do ano de idade. Toda a gente sabe que os vitelos e os asnos se levantam quase imediatamente após nascimento, passando a comportar-se com a liberdade de movimentos que os humanos adquirem só após alguns anos de vida. Não seria justo que apenas por causa disso os bebés não tivessem direito de voto.
Os bebés são daqueles animais que, por razões de ordem técnica, passam a poder votar, no quadro da nova ordem constitucional e isso pela simples razão de que, ao contrário das pulgas ou das aranhas têm dimensão suficiente para suportar esse elemento essencial da nova democracia, que passou a ser o chip.
A única diferença que há entre os humanos bebés e os vitelos ou os pintos bebés está em que os primeiros demoram a levantar-se, tudo por relação, naturamente, mas depois desenvolvem a capacidade de comunicação a um ritmo vertiginoso por comparaçâo com as demais espécies, enquanto os das outras espécies são só movimento mas não conseguem desenvolver as suas capacidades de comunicaçâo para além da sua própria espécie.
Mas voltemos ao chip. Ainda ninguém falou disso em público mas o Jornal da Manhã diz estar em condições para adiantar que passará por ele o futuro da democracia, como haveremos de ver mais tarde mas como já se adivinha que há-de ser. O que se sabe já é que nos bebés que nasceram desde o dia 1 do corrente mês nas maternidades públicas foram implantados mini-chips, como pode ver-se das pequenas cicatrizes que ostentam todos os que foram fotogradados pelo jornal...
No debate não se tocou, nem ao de leve, na questão do dito aparelhinho, tendo-se percebido que ele ou qualquer outro aparato haveriam de existir apenas porque todos os deputados falaram das referidas razões técnicas.
Apesar da unanimidade completa - como o seria se as folhas dos discursos não ostentassem diferentes cabeçalhos, única divergência a marcar a diferença entre os partidos - percebiam os mais atentos que haveria questões ultra secretas guardadas com tanto cuidado que delas não havia sequer cheiro.
Via-se dos discursos, com toda a clareza, que depois de terem conquistado a cidadania nas ruas, como acontece com todas as revoluções, os não humanos conquistavam os seus direitos fundamentais nas cortes, curiosamente sem que tivessem ali algum representante, como se os humanos se quisessem redimir, de forma tão generosa, de milhões de anos de escravidão. Pois, a verdade é que os escravos também não tinham representantes no parlamento, pelo que nenhuma anormalidade há no curso da história, como lembrava na sua crónica matinal, o radialista Marcos de Freitas.
Os escravos foram libertos mas demoraram dezenas de anos a chegar às assembleias parlamentares.
São os segredos da História - comentava o professor José Fernandes no seu habitual programa de televisão. Há direitos que se conquistam nas ruas e que, uma vez conquistados dessa maneira pela turbamulta, são depois institucionalizados pelos que os contestavam como se eles se transformassem em defensores dos seus antigos inimigos. Aqui foi-se até ao limite: não se tratava da defesa dos não humanos pelos humanos em pé de igualdade com o que ocorrera com os homens livres e com os escravos. Nem sequer da libertação dos animais domésticos, eles próprios exemplo ímpar da lógica perversa deste caos a que os nossos antepassados reduziram o mundo ou não fosse incontroverso que os cães e os gatos são mais sociáveis que as galinhas ou os porcos, o que decorre exclusivamente, segundo os novos filósofos, dos diferentes graus de opressão a que foram sujeitos uns e outros. Os cães e os gatos são considerados, desde há séculos, amigos do homem. Como é suposto serem-nos os tigres e os leões. O Marquês de Pombal poderia ter sido retratado com uma das suas amantes mais perversas, daquelas que lhe exigiram na alcova a aniquilição dos Távoras, naquele jeito singular de ou os matas ou não fodes mais. É verdade que a estátua foi feita em tempos puritanos mas mesmo assim nada justificava que se lhe desse um leão como companheiro se entre um e outro não houvesse uma afinidade, sendo certo que não consta que o marquês fosse do Sporting. Há nas estátuas, nos retratos solenes e nas fotografias fabulosas singularidades, verificadas ao longo de milénios e comprovadas pelos documentos da história e da arqueologia: se os figurantes são da mesma espécie ou se comem ou não se comem, como se verifica com os óleos dos casais burgueses, os retratos dos políticos ou os ingénuos quadros de família. Só nestas última espécie se verifica o segundo termo, que na penúltima já não é assim, pois por regra, antes da mansidão que se gera antes do consenso do retrato, se comeram politicamente, alternando as posições activa e passivas em conformidade com a habilidade e os ventos da história. Mas não era assim quando se retratavam seres de espécie distinta. Aqui o que a história nos ensina é que não se retratam para o futuro animais que se comem uns aos outros. Retratar alguém é possuir esse alguém, mas nem isso altera a regra, que tem que ser vista como regra e, por isso, como justificação das próprias excepções que a confirmam. Temos entre as excepções a Guardadora de Patos, não podendo servir obviamente de exemplo as dezenas de telas de toiros, toureiros e forcados, pois que aqui, como sabemos, o toiro se não comido pelos parceiros da tela o é por outros que nela não figuram mas que, antigamento, ao contrário do que hoje acontece, estavam de forma unânime do lado do toureiro, que não do lado do toiro.
Há quadros de humanos com tigres, com cães, com gatos, com cavalos e com falcões, desses pomposos, destinados a sobreviver aos figurantes como memória. Mas não nos há com a gadagem, com aquelas espécies que antes da revolução estavam destinadas a servir de alimento aos outros seres nessa aventura zoofágica que marcou as civilizações antigas, desde pelo menos a descoberta do fogo até aos nossos dias. Tudo mudará seguramente agora, com a nova cidadania, abrindo-se um mercado imenso aos fotógrafos, por óbvia necessidade dos bilhetes de identidade, mas também aos escultores e aos pintores, que hão-de ser chamados a ilustrar em termos mais conformes as nossas praças, havendo já quem diga que é urgente repetir no Terreiro do Paço o que se fez no Iraque com as estátuas de Sadam, preferencialmente com o mesmo impacto mediático, transmissão televisiva urbi et orbi, para exemplo, de forma a que o exemplo alastre a todo o mundo, por ser absolutamente intolerável que se ostentem nas praças públicas animais montados por outros de espécie diversa.
A verdadeira originalidade desta revolução está no seu radicalismo, que ultrapassou todas as expectativas das associações de defesa dos animais. Elas defendiam, essencialmente, aqueles animais domésticos que os humanos não comiam, os cães, os gatos, as catatuas e os papagaios, sendo certo que relativamente aos toiros a luta começou há muito pouco tempo, mais para chatear os espanhóis do que por uma outra coisa qualquer e relativamente à espécies cinegéticas o que se fez nos últimos anos não fou mais do que tentar multiplicá-las, para satisfação do crescente número de caçadores. Nunca ninguém se tinha lembrado de assegurar direitos aos porcos, às lebres ou às perdizes, que a partir de agora graças à bondade humana e à generosidade unânime de todos os partidos, passavam a ser cidadãos de pleno direito, livres e iguais como todos os demais.
Finda a leitura do último dos discursos, o presidente da Assembleia da República, declarou encerrado o debate e disse: Senhoras e senhores deputados, encerrado que está o debate, vamos proceder à votação final global. E foi pedindo que se levantassem os que aprovavam o texto da nova constituição, fila a fila, da primeira à última, devendo perguntar depois, fila por fila, como manda o regimento, quem vota contra e quem se abstém, não o tendo feito, pela primeira vez na história do parlamento, porque tal era inútil e absolutamente despropositado, pois que todos os deputados de cada fila votaram unanimemente a favor.
No final o presidente declarou que a Constituição da República foi aprovada por unanimidade. Os deputados levantaram-se em uníssona, como se fossem impulsionados por uma mola, accionada pelo presidente e bateram palmas, de modo prolongado. Nos Passos Perdidos, onde é costume tocar-se nestas circunstâncias o hino nacional, a banda atacou o Bolero de Ravel, o que deixou os deputados confusos e deu mote para uma discussão que sepultou de imediato o debate constitucional. Depois do Bolero, o presidente voltou a tomar a palavra para dizer: aprovada que está a Constituição, vamos receber nesta câmara uma delegação representativa dos nossos irmãos que, graças à revolução, hoje conquistaram a cidadania. Nós próprios seremos os seus curadores, pelo que peço a todos os senhores deputados que me acompanhem num juramento solene, repetindo as minhas palavras.
Juramos, nos termos da Constituição e das leis da República, desempenhar com lealdade o múnus de curar pelo exercício dos direitos dos cidadãos que nos são confiados, lutando porfiadamente para que eles não sejam em nenhuma circunstância discriminados e para que atinjam, no mais curto prazo de tempo o nivela de desenvolvimento dos humanos.