sábado, julho 02, 2005

Seixas da Costa quebra a rotina

O Embaixado Francisco Seixas da Costa está a inaugurar uma nova fase no relacionamento de Portugal com o Brasil.
Ao intervir na CPI dos Correios, o senador Ney Suassuna teve um deslise e criticou a polícia brasileira, por alegada negligência nas investigações: «Até parece a polícia portuguesa...»
Seixas da Costa reagiu na hora, com uma elegância e uma firmeza que merece ser reproduzida:

«Brasília, 1 de Julho de 2005

Senhor Senador

Tomei nota, com um sentimento de espanto e tristeza, do comentário com que V. Exa. atingiu os Portugueses, há poucos minutos, durante o debate na CPI dos Correios. Portugal e os Portugueses que aqui vivem, e que muito deram e dão para a construção deste grande País, não eram merecedores que um representante político do seu gabarito recorresse a preconceitos que nos habituamos a ver ecoados nas graçolas de baixo nível, nos cómicos de televisão ou por escribas recalcados. Nem a Polícia portuguesa, cuja estreita cooperação a sua congénere brasileira se não cansa de elogiar, merecia ser tratada como o foi.

Dirá V. Exa. que se tratou de um comentário sem intenção, sem sentido insultuoso, na passada do discurso. Mas o comentário lá ficou, feito por um político altamente responsável, representante qualificado de um partido político central da democracia brasileira. Como embaixador de Portugal, não posso deixar de o lamentar e registar.

Com respeitosos cumprimentos

Francisco Seixas da Costa
Embaixador de Portugal no Brasil»
Logo veio a resposta do senador:
«Senhor Embaixador,

Infelizmente, a palavra lançada, flecha que fere, não se pode recolhê-la.
Não sabe Vossa Excelência o quanto me dói constatar a sabedoria embutida nesse provérbio popular, de origem ancestral, quando reconheço a infelicidade do comentário que fiz durante a minha interpelação ao Deputado Roberto Jefferson, pela injustiça à amada Pátria portuguesa e a sua gente irmã e amiga, nossos ascendentes diretos.

Dói-me mais profundamente por não refletir o meu pensamento e a minha relação de respeito, cordialidade e admiração pelo povo e pela nação portuguesa, mãe saudosa do nosso jovem país, de quem sem dúvida herdamos, pelo exemplo, alguns dos nossos melhores atributos.

Senhor Embaixador, acredito que não serão as palavras, mas o sentimento de enorme desconforto que ora me aflige que poderá redimir-me perante a delicada e acolhedora alma portuguesa.

Aceite as minhas sinceras desculpas, transmitindo-as ao povo e ao Presidente de Portugal, e à colônia portuguesa aqui residente, que com extraordinário talento, entusiasmo, generosidade e força de trabalho foi determinante na construção do Brasil.

Respeitosamente,

Senador Ney Suassuna »
Isto é diplomacia. É gratificante a anotação, porque já estávamos desabituados.
Mas a novidade não reside apenas aí. O mais importante é que voltou o respeito - justo e justificado - dos nossos diplomatas pelos portugueses e, no caso, especialmente pela grande comunidade portuguesa residente no Brasil.
Ainda num dia destes, ao ouvir uma fabulosa entrevista de António Ermínio de Morais na televisão me perguntava como era possível admitir-se a falta de respeito dos diplomatas portugueses por uma comunidade que tem gente desta valia.
António Ermirio de Morais é português e lidera o maior grupo privado do Brasil. Com mais de 80 anos, é uma voz ouvida e respeitada pela classe política brasileira, com uma notoriedade na sociedade e na media que não tem comparação com as noticias e as entrevistas pagas pelos investidores da última geração. Veja-se, a propósito dessa entrevista o que vem no noticiário económico da Yahoo Brasil .
Embora com outra dimensão, há no Brasil milhares de outros portugueses que têm sido sujeitos à maior desconsideração, talvez porque os brasileiros contam, com aquele carinho que lhes conhecemos, anedotas em que aparece muitas vezes um português que é trabalhador, paradoxal mas tem sucesso económico.
Há uns tempos - já aqui o referi - o noco conselheiro cultural ousou dizer que vinha para Brasília para mostrar o novo Portugal, que «não é um Portugal de padeiros».
Que «santa ignorância», como comentou um amigo brasileiro.
Parece que Seixas da Costa começou a perceber o filme na sua essência. Isso é bom e merece que o felicitemos.