sábado, julho 30, 2005

De novo a Justiça

O meu Colega Rui de Sousa escreveu no Forlegis:


«Porque tenho muitas dúvidas acerca da capacidade política do actual Ministro da Justiça e seus "muchachos", peço licença para formular várias perguntas:

1 - Isto é um país surrealista, ou estamos todos a ficar tolinhos?

2 - O mesmo Ministro, segundo o noticiário desta manhã da Rádio Comercial, "entendeu" que as férias deviam ser reduzidas com base nas conclusões dum "grupo de especialistas" nomeados pelo anterior Governo.
a) Quem são os especialistas, pois parece transparecer não serem funcionários dos quadros do Ministério?
b) Têm rosto? Têm nome?
c) Ao abrigo de que rubrica orçamental do Orçamento do Estado são remunerados?
d) Onde está a publicação do respectivo vínculo contratual, se é que o mesmo existe?
e) Vão ficar lá muito mais tempo? Para produzirem mais baboseiras?
f) Fazem parte dos "grupos de especialistas" e dos auto-apelidados "Observatórios" que, à "papo seco", têm sido criados pelos sucessivos Governos (desgovernos) PS / PSD / CDS ????
g) Em que medida contribuem para o défice orçamental?
h) Qual a percentagem que, dentro destes dois espécimes de grupos cabe, nos 50 milhões de contos (atenção, são mesmo milhares de escudos) que o Estado Português gastou em 2003 (números do Dr. Medina Carreira apresentados na televisão e não contestados até agora).
i) E nos anos económicos anteriores?
3 - Ainda segundo essa Rádio, na A.R. perguntaram ao Sr. Ministro como, no estudo em causa, eram feitos os cálculos aritméticos que permitiam concluir por um aumento de produtividade de 10%. Aí o Sr. Ministro disse estar tudo no "estudo" (?????????), mas que o mesmo está somente disponível para o Governo.
Peço desculpa aos Amigos deste político (nada tenho contra o cidadão, como é óbvio),
mas tenho de perguntar:
a) Como político, o homem é atrasado mental?
b) Ou estuda tanto, tanto, tanto, que está com os pés fora do País, do Continente Europa e do Planeta Terra?
Francamente, o tipo que vá plantar batatas, para não dizer algo de mais vernáculo.»
Este tipo de reacções é natural, porque começa a haver uma grande instatisfação relativamente à Justiça. é, sem dúvida, um dos calcanhares de Aquiles do governo de José Sócrates. É tudo muito mau...
O João Miguel Barros atalhou:
Estamos todos a ficar tolinhos. Ou não fomos “nós” (quer dizer, eu não fui..) quem votou maioritariamente para que este senhor fosse para Ministro da Justiça? Apesar de no dia das eleições o Governo não estar constituído, era mais do que provável de que ele seria o escolhido. Por isso, a maioria do povo português não tem que se queixar. Tem o que queria.
2- Além disso nós devemos ser o único país dito civilizado (e só por isso é que é surrealista) que se dá ao luxo de ter um Ministro da Justiça que tem no seu curriculum uma exoneração de um cargo público relevante por ter tentado interferir no normal desenrolar de um processo judicial. (Também é certo que o Sr. Juiz que conduzia as investigações sofria de perturbações ocasionais, talvez causadas pela solidão, pelas noites e por uns copos a mais. Saiu prematuramente da carreira…)
3- O anterior Governo não nomeou nenhuma comissão que tivesse produzido semelhante resultado. Estive por lá, como se sabe, e posso assegurá-lo.
4- A menos que o Sr. Ministro se refira ao anterior do anterior Governo. Mas mesmo nesse caso não dei por ela, a menos que se refira a medida que sistematicamente é abordada pelo Prof. Boaventura nos seus Relatórios do Observatório da Justiça.
5- O anúncio da medida e o modo como ele aparece é, realmente, de uma inabilidade a toda a prova. Já aqui o disse antes.
6- Finalmente, a parte mais gostosa da coisa: é que eu concordo com a redução das férias para um mês ou até mesmo com o fim das férias judiciais. Também aqui (e antes na Ciberjus) já o defendi, o que faço há vários anos. Só que não como medida desgarrada, tipo bandeira para oportunistas políticos, mas inserida numa pacote de reestruturação da organização judiciária e do modo de funcionamento dos tribunais (claro, claro, com o código de processo civil revisto previamente). (...)
Como fiquei mais uma vez sem Internet (a Netcabo sempre a falhar) também eu lancei achas para a fogueira:
É sempre um prazer ler o que escreve o João Miguel sobre o funcionamento da Justiça. Tenho pena que ele não tenha ficado naquela comissão que o Aguiar Branco nomeou para reestudar a informatização dos tribunais, porque isso nos dava a garantia de que ali estaria alguém com conhecimentos avançados de informática e com uma noção minimamente consistente do funcionamento da máquina e das insuficiências do sistema.
Eu votei no PS e considero que a liderança do José Sócrates é uma agradável surpresa (mais agradável ainda para quem apoiou outro candidato na luta interna). Tenho consideração pelo Alberto Costa, como político. Mas acho que a sua acção no Ministério da Justiça está a ser um desastre e que ele não vai cair de maduro, porque os problemas se vão agravar de tal modo que teremos o drama das execuções multiplicado por n vezes.
Ainda ontem comentava isto com um amigo (também advogado e também do PS), que concordava comigo.
Eu até acredito que o Alberto Costa está de boa fé… Mas o que se vê do que ele vem anunciando (e do que vamos conhecendo…) é que nem ele nem ninguém no Governo domina minimamente as questões da Justiça.

1. O maior problema actual da Justiça portuguesa (esclareço que excluo nesta breve síntese a justiça criminal, que não existe…porque deixei de acreditar nela e para mim só existe aquilo em que acredito) é da acção executiva. A reforma do António Costa até pode não ser má, no plano legislativo. Mas era impossível implementá-la com sucesso, nos termos em que quiseram implementá-la.
Não havia solicitadores de execução e os que se formaram à pressa tem todos os vícios dos funcionários judiciais, porém agravados de forma substancial.
Nunca percebi porque razão não se foi mais além, conferindo-se ao exequente o direito de promover ele próprio a apreensão dos bens e os passos subsequentes, com a intervenção acessória de um corpo de oficiais de justiça, nos actos de penhora.
O exequente contrataria os advogados e os solicitadores para promover os termos da execução e este requisitariam os funcionários (de um corpo de oficiais de justiça que cresceria à medida das necessidades) para assistir aos actos em que a lei considerasse ser importante estar presente um agente público.
Acabaria assim o martírio que passamos atrás dos solicitadores de execução. E acabaria a culpa dos tribunais pelos atrasos se se melhorassem as leis em termos de obrigar, efectivamente, os juízes a cumprir os seus prazos.
Foi anunciada a melhoria do Habilus, ao que vi escrito nos jornais por causa da acção executiva. Isso não vai resolver nada, rigorosamente nada.
O Habilus é um programa deficiente, que não tem recuperação possível.
Não é possível resolver o problema a acção executiva, no quadro da lei actual e com as condições actuais (que tendem a agravar-se) sem uma alteração profundíssima das metodologias de gestão dos processos que passe, nomeadamente:
a) Pela absoluta transparência dos juízos de execução, em termos que permitam aos operadores verificar o que anda e o que não anda, com o efeito dissuasor que isso importa;
b) Pela possibilidade de interacção dos diversos operadores judiciários sobre o sistema informático.
c) Pelo sancionamento efectivo (e em pé de igualdade) de todos os operadores judiciários em matéria de incumprimento de prazos.
O sistema deveria permitir, para além da entrega do requerimento executivo, pelo menos o seguinte:
a) A imediata distribuição de forma automática e a notificação do juiz e do secretário judicial;
b) A citação automática e por via electrónica dos executados que tenham correio electrónico;
c) A notificação imediata, por via electrónica, dos advogados intervenientes;
d) A interacção dos advogados, por via electrónica, para o processamento dos seus requerimentos que seriam notificados, de forma automática ao juiz do processo e a todos os demais interessados.
Isto não tem nenhuma dificuldade, porque já existe e é comum em muitas organizações.
Na pequena sociedade de advogados de que sou sócio trabalhamos há dois anos em ambiente digital integral.
O correio chega de manhã, é digitalizado e agregado a uma ficha de processo e passa a ser acessível ao cliente e a todos os elementos da equipa que acompanha aquele processo.
Tudo o que um advogado faz é «brifado» por via electrónica ao cliente e aos elementos da equipa. E os prazos são agora objecto de aviso por sms.
Isto não tem nada de novo… Na nossa casa faz 700 dias no dia 1 de Agosto, o que nos dá uma imensa vontade de rir quando vemos alguns dos escritórios que têm orçamentos para consultoria de comunicação a anunciar como novidade coisas que nós já enterramos.
Não é possível fazer a reforma da acção executiva sem uma alteração estrutural dos sistemas e muito menos com remendos em sistemas que não funcionam.
Os problemas vão agravar-se em progressão e num dia destes estamos transformados numa país em que ninguém paga nada a ninguém.

2. A questão das férias tem impacto nos nossos hábitos e talvez tenha sido por isso que surgiu a iniciativa.
Acho que o Sócrates tem razão no modo como apresentou a questão. Mas não teve retaguarda para a sustentar.
Eu concordo com o fim de todas as férias judiciais. Nada justifica numa sociedade moderna que se paralisem os tribunais durante meses.
Os tribunais deveriam funcionar doze meses por ano e ao mesmo ritmo.
Isso nada tem a ver com as férias… que as pessoas podem gozar perfeitamente, como o fazem em outras actividades que não paralizam. É tudo uma questão de planeamento… E de gente.
Eu nunca compreendi porque é que a Justiça (com a excepção da dita criminal) não é lucrativa. E continuo a não compreender.
Mas tenho pressentimentos, que decorrem da minha experiência. Tenho a convicção de que a justiça não é lucrativa porque é desorganizada e os operadores judiciários dos tribunais não têm estímulos para ser competitivos.
Este sistema de justiça sindicalizada não funciona. É preciso inventar e colher o apoio da sociedade para o estabelecimento de novas regras. E não é por via da redução do canal dos recursos que se vai lá…
Não há nenhuma razão para que um juiz que produz seja retribuído da mesma forma que um juiz que não produz, como não há nenhuma razão para que um juiz cujas decisões são censuradas em larga escala pelo tribunal superior seja retribuído da mesma forma que um juiz que raras vezes vê alteradas as suas posições.
(Desculpem o desvio…)



3. As sociedades na hora
Fez-se um espalhafato danado com a história das «sociedades na hora». Trata-se de uma enorme mentira e eu não compreendo como é que o José Sócrates caiu nela.
Claro que o sistema tem uma enorme utilidade para aquelas situações em que é preciso fugir a uma execução e colocar os bens ao fresco. Mas isso agora nem é preciso, porque as execuções não andam…
As sociedades na hora só têm interesse para operações oportunísticas.
Mas o mais relevante é o que têm de negativo.
Andamos de cavalo para burro… A última grande reforma que se realizou na Justiça tem a ver com o regime dos actos próprios dos advogados e com o regime das profissões forenses.
A lógica desta reforma é de uma grande exigência em termos de direitos do consumidor. E então como é que entramos numa lógica de sociedades ready-made?
Onde está a vontade das partes ao serem forçadas a aceitar o que lhes é imposto pelas minutas?
Andamos anos a combater as sociedades comerciais feitas com cópias de jornal pelo barbeiro da esquina e agora é o próprio Estado quem vai pelo mesmo caminho?
Vamos ver como sai o complemento do «encerramento na hora». Tudo indica que vai ser um «ver se te avias…»
Faz-se uma sociedade num dia… Desfaz-se no outro.
Já viram o que isto dá?

4. A revolução tecnológica
Na conferência de imprensa da semana passada anunciou o ministro como grande novidade a do envio dos recursos para os tribunais superiores por meios electrónicos, como forma de ganhar tempo.
Isto foi apontado como o exemplo supremo da desmaterialização mas é um disparate completo.
Esta gente ainda não compreendeu o que é o digital…
É muito importante ter acesso a documentos classificados e guardados em formato digital.
Mas não é viável trabalhar sem papel na nossa profissão.
O processo – quod non est in actis non est in mundo – não tem uma lógica informativa. É um todo, sobretudo na fase de recurso.
Não é possível trabalhar sobre um «processo digital» quando falamos de processos judiciais.
Só se cada operador tivesse dois computadores em simultâneo: uma para ler e outro para escrever.
A desmaterialização tal como está a ser concebida é um absoluto disparate, que só atrasará ainda mais o andamento da justiça.
O processo pode chegar de um tribunal ao outro em 24 horas.
Digitalizar um processo de 2000 paginas demora dias e transforma-o numa coisa inconsultável.
Uma coisa é, no quadro de informação tratada, queremos ver o despacho do dia X. Outra bem diversa é querer ver um processo na sua totalidade, mesmo que seja em pdf… Para trabalhar em direito teríamos que o imprimir. E se forem 2000 paginas, a 50 paginas por minuto são 40 minutos e duas mil folhas de papel.
Mas os tribunais não têm impressoras que produzam 50 paginas por minuto… Nem digitalizadores, que chega, no máximo a 20 páginas por minuto.
Esta gente não tem a mínima noção do que está a falar…
É nos registos que a desmaterialização é mais interessante e mais fácil. Mas também ai, o que conheço é absolutamente errado.
Para além da digitalização do passado é preciso optar por um sistema de base de dados para os registos futuros, separando o passado do futuro por métodos diferentes de processamento. Mas terá que haver sempre um sistema de segurança, que é o papel no que se refere ao passado e um sistema de assinatura digital, com log temporal no que respeita ao futuro. E só faz sentido pensar em desmaterialização se houver possibilidade de interacção…

5. O ambiente
O maior drama está em que esta gente fala destas coisas como se Portugal fosse uma potência tecnológica…
E a verdade é que nós estamos ao nível do pior do terceiro mundo em matéria de comunicações, ao contrário do que nos tentam impingir.
Continuamos sob o monopólio da PT e, por nisso, eu estou há dez horas sem Internet.
Como habitualmente, a Netcabo, que diz que é o melhor, está em baixo e a assistência diz que não sabe quando volto a ter comunicações.
Por este andar a PT vai à falência, o que não me incomoda muito porque já vendi todas as acções desta companhia odiosa. O drama é que eu não posso mudar…
A Novis tem um serviço excelente, ao que dizem alguns dos meus amigos, mas nós não temos liberdade para mudar. Eu estou a tentar desde Novembro de 2004 e todos os dias surgem obstáculos.
Aqui foi avaria… Em casa não sei o que foi… Apresentaram-me uma conta de mais de 1000 euros de Internet relativamente a um período em que estive no Brasil e eu reclamei. Cortaram-me as comunicações sem pré–aviso…
É a selva total…
E o governo diz que vai subsidiar a banda larga, que não existe.
Vejam a velocidade que a PT publicita e aquela que fornece…
Qualquer revolução tecnológica passará pela expropriação da rede ou pela permissão de que outros operadores instalem as suas redes.
E não tem que haver subsídios. Tem que haver é exigência: se querem operar têm que respeitar o consumidor…
É preciso liberdade nesta área mesmo que isso implique a falência da PT, que se enterra no Brasil todos os dias e que nos consome o sangue para pagar os prejuízos que ali vai acumulando.
Este país continuará a afundar-se se continuar a contar com esse elefante branco.
Não sei quando é que consigo enviar-vos esta mensagem…
O homem da Netcabo diz que também não sabe… E os fanfarrões continuam a dizer que vai haver revolução tecnológica…
Abraços a todos… com muita amargura, que isto faz doer.

Miguel Reis

PS – A PT que vos peça desculpa por um texto tão longo.»