Guardo aqui, por me parecer interessante e sintomática a posição de um dos gurus da estratégia internacional do PS, Nuno Severiano Falcão.
Nem uma palavra sobre os portugueses da diáspora, o que confirma a ideia que se vem acentuando de que o bloco central os pretende, pura e simplesmente, excluir do teatro.
«Num mundo em globalização em que se multiplicam e transnacionalizam as redes e cresce a interdependência estrutural nas relações internacionais, o primeiro objectivo para Portugal é o da sua afirmação internacional. Democracia consolidada, pequena potência no plano global, média, no quadro europeu, Portugal tem uma ideia própria para a ordem internacional e uma ideia para o seu papel nas áreas onde se joga o seu interesse nacional. A ideia é a de uma ordem internacional multilateral, e de um papel activo, desde logo, nas questões da agenda global, seja no plano económico e social como no plano político e da segurança. Significa isto, por um lado, o reforço da presença portuguesa nas principais organizações internacionais empenhadas no desenvolvimento sustentável. Por outro, a produção de segurança internacional, com a participação das Forças Armadas Portuguesas em operações humanitárias, de gestão de crises e de manutenção de paz, no quadro das organizações a que pertence e em particular das Nações Unidas. Significa, finalmente, atenção e empenho no debate sobre a reforma do sistema das Nações Unidas. País europeu, Portugal é também um país atlântico que continua a manter fortes relações pós-coloniais e uma relação especial com aquela que é a sua única fronteira terrestre: a Espanha. Assim, para além da ordem global, Portugal enfrenta desafios estratégicos nas suas áreas de interesse histórico: as relações transatlânticas; a construção europeia, as elações no quadro ibérico; e as relações pós coloniais. O primeiro desafio de interesse estratégico para Portugal é a superação da crise transatlântica, aberta pelo conflito do Iraque, e a manutenção da estabilidade e reforço do vínculo transatlântico. Não só porque constitui um garante da segurança internacional e da paz, mas também porque corresponde ao interesse nacional. País, simultaneamente, europeu e atlântico, não interessa a Portugal a clivagem entre os dois lados do Atlântico e muito menos uma opção entre Europa ou Estados Unidos. Interessa, pelo contrário, valorizar a dupla pertença: fazer valer a sua condição de país europeu na relação com os Estados Unidos e rentabilizar a sua relação transatlântica enquanto membro da União Europeia. No quadro nacional e no quadro da União deve trabalhar neste sentido, mas não pode deixar de preparar todos os cenários possíveis. O segundo desafio estratégico para Portugal é o da União Europeia: o sucesso do projecto europeu e a centralidade de Portugal nesse projecto. Potência média mas, geograficamente, periférica, é do interesse de Portugal estar, sempre, no centro da construção europeia. Enquanto membro, não interessam a Portugal “directórios” nem diferentes velocidades. Mas se a evolução da integração europeia impuser quaisquer “geometrias variáveis”, o interesse nacional aconselha a presença portuguesa em todas as “cooperações reforçadas” ou “estruturadas” que vierem a constituir-se. Como foi fundamental a presença no EURO, será fundamental para Portugal, a presença em todos os núcleos duros, inclusive os de natureza militar, como a Política Europeia de Segurança e Defesa e as missões militares sob comando da União Europeia O caminho mais curto e a estratégia mais eficaz para superar a periferia geográfica é conquistar a centralidade política. No quadro da União e em particular no seio do Conselho, onde se expressam por excelência os interesses nacionais, Portugal deverá desenvolver uma diplomacia ágil e alianças flexíveis em função das áreas de interesse e dos aliados em presença. Mas deverá, mais do que isso, desenvolver uma ideia sua para a União Europeia. E bater-se por ela. Na reforma institucional do Tratado de Nice, soube ter essa ideia, soube ter uma estratégia e bater-se por ela. Forjou alianças, liderou a posição dos países pequenos e teve sucesso. Poderá ter que o fazer e deverá fazê-lo no futuro. No curto prazo, a ratificação do Tratado Constitucional e a concretização da Estratégia de Lisboa são imperativos imadiatos. No quadro peninsular e das relações com Espanha reside o terceiro desafio. No modelo tradicional a Espanha era pensada como ameaça e toda a lógica das relações era a lógica da fortaleza. Fortaleza no campo económico, reduzindo ao mínimo as trocas e voltando todo o dispositivo geoeconómico para o mar. No campo diplomático e militar, construindo fortalezas ao longo da fronteira e alianças com as potências marítimas. Até na sociedade e nos costumes esse princípio se traduzia no ditado popular: “de Espanha nem bom vento nem bom casamento”. Hoje, todo este modelo se desvaneceu. Com a democratização e a integração europeia, o dispositivo geoeconómico português continentalizou-se e as alianças externas dos dois países ibéricos unificaram-se. Mas significará essa coincidência que se desvaneceu, também, o interesse nacional? Certamente, que não. O interesse nacional permanece, mas a sua formulação é, hoje, mais exigente e a sua defesa mais complexa. Porque a lógica da fortaleza deixou de funcionar. Numa economia aberta e num espaço sem fronteiras que é o como é o das relações Portugal-Espanha, no quadro da União Europeia, a estratégia não está na construção de fortalezas. Está sim, na competitividade da economia. E é esse o desafio: a capacidade para manter em Portugal, centros de decisão económica em sectores estratégicos para o país e a capacidade de concorrência e penetração das empresas portuguesas no mercado espanhol. Ou de um modo mais lato, no mercado internacional. Em boa medida, o terceiro desafio é o da internacionalização da economia portuguesa. Finalmente, o quarto desafio é o das relações pós coloniais. Aí, o desafio coloca-se não só no plano bilateral como no plano multilateral. No plano bilateral, é óbvio, mas não poderá deixar de se dizer que é do interesse estratégico de Portugal o reforço das relações com os países de expressão portuguesa. E não só no campo político, mas também no domínio económico. Mas para isso, a reforma do sistema da cooperação deve caminhar no sentido de maior coordenação política e institucional como condição essencial para optimizar os recursos e potenciar a eficácia. No plano multilateral, é do interesse português que a CPLP possa constituir um instrumento diplomático credível e operacional para os países de língua portuguesa. Mais, pode e deve alargar as suas áreas de intervenção para além da língua e da cultura, à esfera económica e quiçá da segurança. Mas não pode nem deve tomar-se a CPLP por aquilo que ela não é. Sem contiguidade geográfica e com os membros dispersos por vários continentes e integrados em diferentes organizações regionais, a CPLP não pode substituir-se a essas organizações nem desempenhar as suas funções internacionais. Mas pode e deve constituir um instrumento diplomático e um mecanismo de compensação para que os países de língua portuguesa possam ganhar margem de manobra e poder acrescido nas áreas regionais em que se integram. Num mundo em globalização e em que se multiplicam as redes de pertença, faz todo o sentido uma rede de língua portuguesa e Portugal deve potenciá-la.»
Nuno Severiano Teixeira Professor - Universidade Nova de Lisboa Ex-Ministro da Administração Interna
Nuno Severiano Teixeira Professor - Universidade Nova de Lisboa Ex-Ministro da Administração Interna