quinta-feira, janeiro 27, 2005

A propósito do apoio judiciário...

«Há uns tempos quando a Ordem lançou um apelo aos advogados para que aceitassem as nomeações oficiosas com um sentido civico, dispus-me a ver dar o meu nome para as listas.
Depois veio a vaga da imigração dos finais do século e eu e os demais colegas do escritório aceitamos estabelecer uma "quota" de serviço cívico para dar apoio a essa gente: Nunca contamos receber os honorários normalmente fixados, porque temos todos a ideia de que o Estado é uma entidade relapsa e de que a emissão de um cheque para um advogado é, tradicionalmente, um acto que causa sofrimento ao pessoal do Ministério da Justiça, o que, só por si, justifica os atrasos, os esquecimentos e os desmazelos.
Sempre procurei tratar os patrocinados no quadro do apoio judiciário como os demais clientes, apesar de isso constituir uma enorme injustiça.
Se todos os clientes pagassem o mesmo por cada hora que dispendemos, os clientes que pagam os nossos serviços pagariam muito menos, porque aquilo que pagam é onerado pelos custos que o apoio judiciário tem para o nosso escritório.
Na base desse padrão de igualdade, sempre procuramos gerir os processos dos "oficiosos" em termos de obter a maior eficácia das nossas intervenções. Assim, sendo a lei anterior má, porque pouco permissiva nessa matéria, sempre que algum colega estivesse impedido de realizar determinada diligência, por incompatibilidade de agenda, procuravamos que o juiz aceitasse a sua substituição por outro, sempre com o argumento de que essa era a melhor solução para a boa prestação do apoio judiciário.
Há juizes de bom senso... E quase sempre esta "saida" foi aceite... Há uns meses tive que ir para o estrangeio num período em que se vencia um prazo para uma diligência num desses processos com apoio judiciário. Em vez de alegar impedimento, pedi a uma colega do escritório que agisse no meu lugar, invocando o meu impedimento.
O juiz entendeu que não podia ser e quase que me insultou pela ousadia de, sem qualquer custo adicional, resolver a questão essencial que o apoio judiciário suscita - a do próprio apoio, na medida das necessidades e no momento oportuno. Mandou desentranhar o requerimento e mandou comunicar à Ordem.
Recorri, pagando por cautela taxa de justiça - o que é um absurdo porque não sou parte - e recebi agora a decisão, que é do Supremo Tribunal Administrativo, dando razão ao juiz da primeira instância e condenando-me em 450 € de custas. Claro que não vou recorrer para o Tribunal Constitucional, porque isso haveria de custas mais 1.500 €, segundo a bitola mínima agora praticada.
O que eu vou fazer, meus amigos, é tirar dos factos a adequada consequência. Então nós fazemos sacrificios, procuramos fazer o melhor e o Estado, de que os tribunais são órgãos de soberania, trata-nos a coice?
Já viram que a qualidade de advogado oficioso é equiparada à de parte para efeitos de recurso? Que se o advogado discordar e recorrer tem que pagar custas, mesmo que o Estado não cumpra as suas obrigações para com os advogados em matéria de pagamento dos honorários miseráveis constantes da tabela?
Eu, por mim, juro solenemente que, levando embora os processos que tenho até ao fim, nunca mais aceitarei prestar apoio judiciário a quem que quer seja.
Quando me apetecer dar borlas dou-as eu... Quando alguém precisar de ajuda ajudarei. Mas nunca mais hei-de ajudar ninguém, ficando o Estado com a fama de benemérito e o advogado a pagar custas brutais, como compensação da sua generosidade.»