quarta-feira, janeiro 05, 2005

O desgosto dos de S. Paulo

Está reunida a comissão política do PS para aprovar as listas de deputados.
Telefonou-me o Magalhães, de S. Paulo, informando que Lisboa informou aos do Rio de que a escolha dos deputados do círculo Fora da Europa foi feita «pela Federação do Resto do Mundo». Mas esta federação não existe... Como é isto possível?
- Oh Magalhães, eu não me quero meter nisso. Isso é tudo uma merda, com gente de merda, eu trabalho, não tenho sequer tempo para me meter nisso...
- Mas, porra, a gente sempre pediu a tua opinião, tu tens-nos ajudado, isto não pode ficar assim, temos que dizer alguma coisa às pessoas, que não vão compreender...
O Magalhães estava simplesmente amargurado. Ele tem trabalhado que nem um cão na organização de actividades políticas para promover a imagem do PS. Tem mobilizado pessoas, incomodado interesses, perturbado a pacatez de cidadãos adormecidos. A mim tem-me lixado a vida, quando estou em S. Paulo, pedindo opiniões, convidando para reuniões, marcando reuniões fora da cidade. Araraquara, Santos, Belo Horizonte, sei lá mais onde. No último ano tramou completamente a vida pessoal por causa da dedicação ao partido.
É de uma injustiça incrível não respeitarem o seu trabalho, a sua dedicação, o seu amor ao PS.
O Amílcar Casado assumiu este projecto a peito. Empresário de sucesso, pessoa respeitada na comunidade, preocupava-se, no último dia em que estive com ele, em arranjar os fundos para uma boa campanha.
- Mais barato fica - disse-me ao telefone. Como não vamos fazer campanha, já não é preciso dinheiro. Mas é uma pena, que a gente ganhava isto com o Almeidinha. Ele é a pessoa mais respeitada na comunidade.
Almeida e Silva é um homem de consensos, como convém nas comunidades da diáspora. Acusado por alguns, a meu ver injustamente, de nunca se comprometer com nada, o que verdadeiramente o distingue dos demais é a virtude de não se envolver em quezílias de bairro. Ele tem um especial cuidado de manter as pontes abertas, o que é especialmente importante numa comunidade como a do Brasil, marcada pela concorrência entre os vários comendadores.
O Almeidinha também é comendador, mas tem a vantagem de ninguém lho chamar porque ele o encobre. Não precisa do título, porque tem outros; mas também porque faz gáudio de romper todas as distâncias, de estar junto das elites mas também de estar junto das pessoas.
É um animal político prudente e lúcido, preocupado com as duas sociedades de que é parte e com uma visão estratégica das comunidades portuguesas na América do Sul.
Falamos muito, sempre que nos encontramos. E o que foi uma mútua antipatia originária transformou-se numa amizade sólida, marcada muita vezes pela crítica mútua, mas sempre com uma abertura construtiva que é bilateral.
Temos tido divergências pontuais mas entendemo-nos sempre nas questões
estratégicas. E no que toca às divergências pontuais não são raras as vezes em que vi forçado a dar-lhe razão.
Há uma diferença abissal entre a minha posição e a dele. Eu sou um teórico, às vezes sou mesmo um agitador. Ele é um líder comunitário, sempre envolvido em jogos de estratégia.
Eu sou sintético, esquemático, racionalista, preocupado permanentemente com os princípios. Procuro sempre o caminho mais curto. Ele procura o caminho mais eficaz e mais seguro, mesmo que seja o mais trabalhoso.
Há companheiros, mesmo das suas relações, que não concordam com a escolha. Mas nisso o Casado tem razão: António de Almeida e Silva é a pessoa melhor colocada para unir a comunidade, para fazer pazes entre pessoas separadas, para voltar a dar força e respeitabilidade aos portugueses do Brasil.
Só quem não conhece a sua acção ou olha exclusivamente para o umbigo não percebe isto.