quarta-feira, janeiro 05, 2005

O teorema Pedroso

Quando Capoulas Santos veio à televisão anunciar que Paulo Pedroso será colocado num lugar não elegível da lista de Setúbal, o meu amigo Asdrúbal, que foi seminarista e sócio do PC sentenciou de imediato: «Em política, a inocência e a culpa atraem-se na razão directa das suas massas e repelem-se na razão inversa das distâncias».
Ele, que adora estas coisa de improviso, lá rapou do caderno e escreveu no cabeçalho o título de Teorema Pedroso, passando a explicar o seu sentido.Se o Pedroso estivesse calado e (ou) não deixasse que lhe gastassem o nome estava 100% inocente. Como quis entrar nas listas, passou a ser culpado, o que decorre, por natureza, do simples facto de se discutir a sua inocência e a sua culpa.A culpa ou a inocência de um político não derivam de critérios objectivos.
Os juízos que sobre as mesmas se fazem são sempre juízos viciados por desafios tendenciais e tendenciosos Se o direito é um controlo ético aplicado à linguagem e a justiça passa por ser, cada vez mais, nos tempos de hoje, um exercício comunicacional - que por isso se realiza sempre, nos casos mais mediáticos, antes das sentenças - os debates políticos sobre a culpa e a inocência são, pela sua natureza, um por em causa de toda essa lógica e um catalizador da dúvida sobre a bondade do que antes se estabilizou como perfeito.
Muito pouca gente - para além do próprio Pedroso estará interessado em demonstrar a sua inocência. Ela, aliás, estava adquirida no plano da justiça formal, só não o estando no plano da política.Ao deixar colocar o nome num lugar não elegível da lista de deputados de Setúbal, Pedroso e o PS transformaram-se nos principais aliados do advogado da Casa Pia, cuja missão primordial é a de encontrar um bode expiatório de peso para o escândalo da exploração sexual das crianças confiadas àquela instituição.
A culpa e a inocência atraem-se na razão directa das suas massas e quase se confundem e confundem quando têm peso idêntico em termos comunicacionais.
Rejeitam-se na razão inversa da distância - diz ainda Asdrúbal. Mas como? Quanto mais longa é a distância temporal menos se rejeitam e mais coexistem.A grande vantagem da justiça está em que ela nos dá a todos uma ilusão de certeza social, por mais iníqua que seja.
A grande vantagem da política quando intervém no campo tradicional da justiça é a da implementação da incerteza.Veja-se o caso Camarate. A justiça concluiu que não havia atentado; a política concluiu que talvez tivesse havido atentado. Nunca se saberá com absoluta certeza se houve ou não, até porque a justiça tem meios de defesa que evitam que a desmascarem, como é, por exemplo o instituto da prescrição.
Ao aceitar um debate político sobre a sua culpa ou a sua inocência, nos termos em que o fez, Paulo Pedroso suicidou-se politicamente.É caso para dizer que foi assassinado, ressuscitou e suicidou-se a seguir.Importa perguntar o que ganha o PS com isso. Rigorosamente nada, bem pelo contrário, como a breve prazo se verá.
Paulo Pedroso era muito pouco conhecido antes de ser preso, apesar de ter sido um excelente ministro. Passou a ser conhecido pelas razões que são do domínio público, em consequência de uma poderosíssima operação de marketing judiciário, que durou meses.Estas coisas não se anulam no curto prazo.
Os juízos de culpabilidade/inocência só se esbatem quando se esbatem as memórias. Mas quando nisto se envolve a política fica sempre a dúvida que dela é própria.Que necessidade havia de suscitar de novo um problema que já estava resolvido?