...E SEM MUDANÇA HAVERÁ UM FUTURO?
O rei vai nu: Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma casa sem rei nem roque!
Após as eleições de 20 de Fevereiro –
- Para onde vai o MNE?
- Quais as respostas partidárias concretas?
- Continuaremos a ser ignorados e a desaparecer?
Com o começo da aplicação do seu Estatuto Profissional, em 2001, os 1800 trabalhadores dos Serviços Externos do MNE esperavam uma normalização da política de recursos humanos e o reconhecimento da sua dignidade de trabalhadores ao serviço do Estado português.
Após uma transição atribulada, que veio finalmente pôr fim à situação de precariedade vivida durante décadas, aguardava-se uma relação institucional moderna, fomentadora de uma gestão eficiente que permitisse aos serviços de Portugal no estrangeiro responder aos desafios e às necessidades de mudança, respeitando e motivando os funcionários para um serviço consular de qualidade e para o necessário apoio técnico e administrativo às exigências da cada vez mais complexa política externa.
Exigia-se do novo Governo o devido respeito pelos novos (- velhos ) funcionários – que constituem metade do ministério -, reconhecendo-lhes o direito à carreira, actualizando-os como os demais, avaliando-os com critérios e seriedade, colmatando as carências estruturais na área da formação profissional, modernizando globalmente a gestão nos serviços, praticando uma política de recursos humanos que desse resposta às necessidades em expansão.
E não era o embaixador Martins da Cruz que dizia que os Diplomatas devem fazer diplomacia e a gestão do MNE deve ser assumida por gestores?
Contudo, logo no primeiro encontro como ministro transmitiu-nos que não tinha dinheiro – quando reclamávamos apenas o cumprimento da Lei -, ao mesmo tempo que visivelmente o ia gastando sem problemas em transferências e sucessivas nomeações. Depois nomeou para dirigir o sector da gestão um diplomata em fim de carreira, que punha em causa o direito dos trabalhadores à Segurança Social, e mais tarde uma conciliadora sindical para analisar porque razão estávamos descontentes com a ausência de respostas às reivindicações. Quando confrontado com as nossas manifestações de insatisfação e com ilegalidades inadmissíveis por parte dos responsáveis, chegou a afirmar-nos que a Administração Pública não funciona... mas que assinava o que os serviços lhe punham à frente – mesmo quando se tratava de perseguições ao Secretário-Geral do Sindicato!
Ao mesmo tempo que assim se fechavam os olhos ao rigor, seriedade e eficiência na administração das Necessidades, eram lançadas duas orientações: a diplomacia económica e a reestruturação consular.
DIPLOMACIA ECONÓMICA OU ECONOMIA DIPLOMÁTICA?
Por esse mundo fora, os efeitos para nós mais visíveis desta vertente passam pela equiparação de Cônsules-Gerais a Embaixadores, com direito às diversas correspondentes mordomias e a Cônsul-Adjunto, e o anúncio do sebastiânico Consulado em Xangai, que ainda agora se veio dizer ter tido de aguardar por falta de meios financeiros. Bem mais expedito, no contexto daquela reestruturação, foi o encerramento de Hong-Kong.
Que diplomacia económica é esta que só tem meios para resolver problemas de chefias, continuando os consulados contemplados com deficientes quadros de pessoal?
Que diplomacia económica é esta que está 3 anos para abrir Xangai, onde já todos os interesses estão instalados? Três anos é o tempo que a China precisou para passar de metade do movimento em software da Alemanha a 30% mais do que esta! Entretanto floresce ao lado de Hong-Kong, em Shenzhen, a mais recente e dinâmica das grandes zonas económicas especiais chinesas.
E Xangai vai abrir com que pessoal: com trabalhadores sob contrato a termo certo ou eufemisticamente designados como prestadores de serviços, como os nossos colegas na Indonésia e em Timor, ainda hoje? Será que também as novas embaixadas na Europa abrirão com pessoal em situação irregular?
Ou também com alguns remendos dispendiosos, do tipo, hoje um funcionário por duas semanas, amanhã outro por três, como avulso se veio verificando, em Londres ou Caracas por exemplo?
Quanto ao promovido Consulado em São Paulo, pelas inexplicavelmente exageradas cobranças pelos actos consulares, até já no recenseamento eleitoral, parece preferencialmente apostado na economia diplomática.
REESTRUTURAÇÃO OU DESESTRUTURAÇÃO CONSULAR?
Relativamente à reestruturação consular, que bem cedo avisámos ter de ser precedida de consultas, análise ponderada, planeamento e execução faseada, - além de termos chamado a atenção para a importância fundamental da gestão nos consulados, nunca devidamente encarada -, quase tudo correu mal.
Exceptuando o problema do destino dos funcionários cujos postos encerraram, que, com maior ou menor satisfação, se conseguiu negociar, pôde constatar-se:
Falta de instruções para encerramento e destino do espólio; funcionários enviados como turistas sem pedido de visto às competentes autoridades, do que resultaram situações de instabilidade e ilegalidade prolongadas por meses e até um detido em S. Francisco e devolvido para Hong-Kong; falta de tempo para planear ou executar a transferência de posto/país/continente; encerramentos sem consideração pelos anos lectivos e tudo o mais que em devido tempo dissecámos (www.stcde.pt, Bis – a reestruturação...).
E quanto aos resultados?
Os reforços quase não foram sentidos porque o pessoal está a diminuir, os disponíveis são poucos e as necessidades bem maiores. Praticamente só Macau – que absorveu Hong-Kong -, Andorra – que não tinha pessoal afectado -, Luxemburgo, Genebra e Londres tiveram reforços significativos, sendo que a crise destes dois últimos já se não resolve quantitativamente mas exige as melhorias de gestão e soluções duradouras que sempre reclamámos.
Aliás, Londres tem entretanto mais pessoal precário do que funcionários e, na expectativa da abertura do consulado em Manchester, finalmente criado no DR, impõe-se de novo a pergunta: vai abrir com que pessoal?
E quando os cidadãos-emigrantes reclamarem por erros...“a termo certo”? Haverá responsáveis?
Nas cidades atingidas pelo encerramento dos serviços consulares, havendo que juntar Windhoek aos consulados extintos, começou por se falar “a torto e a direito” em consulados honorários.
Os protestos locais levaram a optar por um escritório consular em Osnabrück - que também já carece de contratados a prazo! -, estrutura que em termos legais não tem poderes próprios e só tem podido dar resposta graças ao esforço e ao risco dos colegas que ali ficaram, exorbitando as suas competências.
Porque os escritórios são, legalmente, como balcões de atendimento, não têm existência jurídica própria: dão para entregar e levantar papéis, tudo o mais passa pelos postos consulares dos quais dependem. Ir para além disso é um atropelo legal.
Mas, lendo o Diário da República, é também essa a solução já consagrada para a Córsega.
Em Windhoek deixou-se uma funcionária numa baiuca consular pura e simplesmente não legalizada (!), porque os responsáveis ainda estão a pensar em qual será a solução adequada – silêncio, para não perturbar -; em Rouen passou-se o mesmo até à abertura do honorário que só agora teve lugar, ao qual a funcionária ficou emprestada (?); em Hong-Kong, Pau (Bayonne), Nancy e Reims há honorários no papel.
PRIVATIZAÇÃO CONSULAR?
Vários outros “papéis” criaram mais alguns honorários, mas o seu estatuto obriga a questionarmo-nos.
O Regulamento Consular de 97 começa por dizer que não podem praticar actos de registo civil e notariado, emitir documentos de identificação e viagem, conceder vistos e processar recenseamento eleitoral.
Mas logo o DL 75/98 veio dizer que, a título excepcional, alguns podem fazê-lo (excepto conceder vistos), enquanto não estiver concluída (?) a reestruturação consular, e, no mesmo ano, uma portaria veio definir que a Lei de excepção só é aplicável a honorários situados a mais de 500 Km dos de carreira, em ilhas, em países onde não haja representação oficial ou...aos que pratiquem mais de 1000 actos/ano.
Estando a conceder este estatuto excepcional a consulados honorários que não satisfazem nenhum dos critérios, e que nem existiam, a que propósito se criam excepções ilegais à excepção legal?
Fazendo de conta que já existiam e praticavam 1000 actos?
Assim, recorrendo à técnica da pescadinha de rabo-na-boca, o consulado honorário, de serviço habilitado a título excepcional enquanto durar a reestruturação consular, renasce como serviço honorário substituto da estrutura profissional, transformando-se no último elo da cadeia...da dita reestruturação consular!
Será que em Portugal se vão extinguir conservatórias, notariados e Governos Civis, e nomear empresários como conservadores, notários e governadores civis...honorários, aos quais, eventualmente, se emprestarão, por despacho verbal, funcionários públicos dos serviços extintos?
Será esta forma de privatização a reforma modernizadora da Administração Pública?
HAVERÁ GESTÃO DOS RECURSOS HUMANOS NOS SERVIÇOS EXTERNOS?
Se a gestão já vem sendo má, é de prever que estas fragilidades e incoerências contribuam para a piorar.
De quem dependem hierarquicamente os funcionários emprestados? Quem faz a sua avaliação de desempenho e classificação de serviço? Como se definem os objectivos?
Os vinculados à Administração Pública integrantes do Quadro Único de Vinculação dos Serviços Externos, aos quais se juntam quase outras tantas centenas de trabalhadores do Quadro Único de Contratação, somando no seu conjunto já só uns 1600, aguardam, na sua maioria, as classificações de serviço de 2003, de 2002 e mesmo as de 2001. Em breve aguardarão as de 2004...
Uns e outros vêm também ansiando por um sistema de formação profissional adequado, que acompanhe a evolução das coisas, que colmate a formação inicial que nunca lhes foi ministrada, que lhes permita desempenhar cabalmente as funções de extensão da Administração Pública no estrangeiro, em muitas e diversificadas vertentes.
Em vez de ser uma componente fundamental da modernização dos serviços, a formação, apenas iniciada há 8 anos, constitui uma lotaria: quem não pode jogar não pode ganhar, quem joga com frequência lá vai ganhando uma terminação de vez em quando, já que, como é sabido, a sorte só pode beneficiar uma minoria.
Se as coisas correm mal nas estruturas profissionais, como será em honorários ou em simbioses equívocas?
Qual a explicação para o facto de, extinguindo consulados ou (secções consulares de) embaixadas, as Necessidades, entendendo dever criar estruturas de substituição ou ampliar a rede consular em novas paragens, não recorrem às previstas na Convenção de Viena que têm existência jurídica própria – vice-consulados e agências consulares –, logo capacidade para cumprir de acordo com as exigências?
Porque seriam logicamente dirigidas por funcionários dos serviços externos?
ALGUÉM FALOU EM PROTECÇÃO CONSULAR?
Quem dirige uma estrutura consular é, nos termos da Convenção de Viena, representante dos nacionais residentes na respectiva área de jurisdição consular junto das autoridades locais.
Pode intervir junto das mais diversas instâncias – tribunais, polícias, prisões – e nas mais complicadas situações – catástrofes, exploração ilegal.
É normal que a Comunicação Social portuguesa se debruce precisamente sobre as ocorrências anómalas, como se tem podido constatar na recente catástrofe no sudoeste asiático ou na, não longínqua, ocorrida na Venezuela; como também não estarão esquecidas as situações precárias de portugueses na Irlanda do Norte ou nas explosões de descontentamento à porta de Londres.
Mas o apoio minimamente satisfatório ou o funcionamento condigno exigem meios que o MNE não tem querido criar.
A intervenção dos funcionários exige a sua acreditação junto das autoridades locais, pressupondo frequentemente a titularidade de passaporte especial, dois horrores para o pulsar das Necessidades.
O funcionamento adequado dos serviços – em expansão – não suporta a absoluta ausência de concursos de ingresso, acesso ou de preenchimento de cargos de chefia intermédia ou técnicos na área social ao longo de sucessivos anos.
A capacidade de resposta não se coaduna com remendos ilegais a termo certo, que têm colmatado as situações mais aflitivas ou substituído os quadros nas mais recentes embaixadas.
A protecção consular exige meios materiais que faltam quando se trata do imprescindível.
Só na base da boa-vontade, do brio profissional, da consideração pelos utentes (ou até da ilusão) é, frequentemente, possível atender às premências gritantes, sem perspectiva de carreira, compensação de trabalho extraordinário ou em dias de descanso, reconhecimento público ou superior, por vezes nem um mero agradecimento, ou pior ainda, quando as coisas se complicam, atirando para cima dos funcionários dos serviços externos as responsabilidades de quem quer, pode e manda.
Não foi um dirigente nosso, do quadro do Consulado-Geral de Macau – que para isso suspendeu a sua actividade sindical – um dos bombeiros voluntários sem sono na ilha de Phuket, na Tailândia?
TRÊS ANOS SEM NEGOCIAÇÕES – IGNORADOS ATÉ DESAPARECER?
Se Martins da Cruz se desculpou como acima referimos e Teresa Gouveia, lavando as mãos, entendeu que o que custa dinheiro dependia das Finanças (como se não tivesse orçamento disponível) e o demais era com os inoperantes serviços (como se dela não dependessem e não houvesse Leis a respeitar), o actual Ministro, reconhecendo que a máquina do MNE está mais emperrada do que há 7 anos atrás, recebeu, respondeu às interpelações, jurou diálogo e negociações.
Mas, nem os seus pedidos às Finanças surtiram o efeito devido, nem os seus orçamentos parecem chegar para nós, nem os seus serviços mostram disponibilidade para negociar devidamente.
E é assim, embora os quadros estejam dizimados e haja a perspectiva de as aposentações acelerarem em breve, a maioria dos grandes consulados não tenham vice-cônsul (mais de metade dos lugares estão vagos), não haja uma única promoção há 5 anos, não se actualizem os contratados desde 2000 (talvez venham agora as mini-actualizações 2003/4) e os vinculados desde 2002, às situações de precariedade corresponda normalmente a ausência de segurança social, o contencioso tenha atingido proporções desmesuradas e continue a crescer, os serviços já nem aceitem reuniões informativas e assinem as actas das raras reuniões.
As únicas acções concretas do Gabinete do Ministro que sentimos foram as diligências para emperrar a negociação salarial 2004 dos trabalhadores nos Centros Culturais do Instituto Camões – que não dispõem ainda de Estatuto Profissional de enquadramento ou meros contrato de trabalho assinados! –, e os contactos com os Grupos Parlamentares e os Deputados da competente Comissão Parlamentar, para tentar impedir a alteração de regime de concessão de passaporte especial marca Necessidades, que estas sabiam não corresponder à vontade daqueles mas quis impor (e nem esse aplicar), e que a Assembleia da República, em boa hora, veio a consagrar por unanimidade!
O STCDE veio cumprindo a sua parte: Cadernos Reivindicativos, cartas abertas, recurso às instâncias parlamentares, interpelações sucessivas, contributos para diversas áreas, como ainda recentemente a propósito da pretendida revisão do Regulamento Consular - www.stcde.pt . Mas os resultados são fracos.
A falta de vontade política, que passa pelo deixar degradar a gestão das Necessidades, que leva à aposentação dos seus funcionários administrativos tão cedo quanto a Lei o permite, tem empurrado a necessidade de afirmação dos direitos dos trabalhadores para a esfera jurídica.
Aí vimos ganhando o que deveria ser negociado em sede própria, com todos os inconvenientes daí decorrentes, em esforço, em tempo, em custos para o erário público, em deformação do Estado de Direito Democrático. Será assim que se respeita e promove o diálogo social e se aplica com justiça e parcimónia os dinheiros dos contribuintes?
Há diplomatas que, em conversa, nos vêm manifestando a sua estranheza pelo não andamento das coisas, que reconhecem ser imperiosa a mudança de situação, não apenas para a sua carreira.
Só que esses não são o poder nas Necessidades. Cumprem a sua vocação profissional, fazem Diplomacia.
Com as eleições, mudará alguma coisa?
Que projectos terão os partidos para responder a esta situação?
Haverá candidatos disponíveis para assumir esse compromisso?
Quem quer servir as Comunidades Portuguesas?»