Os meus amigos do Brasil ficaram muito aborrecidos com a ofensa do PS.
Não está certo que, de um lado, os desafiem a envolvers-se na vida cívica e do outro os desrespeitem de forma tão grosseira.
Entendi escrever uma carta ao José Sócrates, a qual é, simultaneamente, um desagravo desses amigos.
Aqui fica:
Exmº Senhor Engº José Sócrates
Secretário Geral do Partido Socialista
Largo do Rato
Lisboa
Lisboa, 07/01/2005
Estimado Camarada:
Não posso deixar de lhe dirigir uma palavra, relacionada com as escolhas de candidatos a deputados para os círculos da emigração.
Faço-o com o à-vontade de quem sempre assumiu - nalguns casos em público e por escrito - que nunca aceitaria ser candidato e que sempre defendeu que os candidatos deveriam sair das próprias comunidades da diáspora.
Faço-o em coerência com os compromissos políticos que decorrem das minhas intervenções cívicas, como militante do PS, ao longo de vários anos, junto de algumas comunidades portuguesas com peso relevante no contexto da sociedade em que todos nos inserimos.
Quero deixar claro que não o faço a favor de Carlos Luís e contra José Lello, não admitindo que esta minha mensagem possa ser interpretada como uma posição sectária alinhada com uma disputa interna ao partido na qual não me quero envolver.
A minha exclusiva preocupação, ao escrever esta carta, é a do respeito pelos princípios que devem nortear-nos, pelos interesses dos portugueses residentes no estrangeiro e pelos interesses do Partido Socialista.
Entendo que as comunidades portuguesas da diáspora têm uma importância cada vez maior no quadro da sociedade portuguesa alargada.
Não são já – nem principalmente – os interesses dos invisíveis correntes que estão em causa. Eles ainda têm um grande peso na nossa balança de pagamentos (ao ponto de não os podermos dispensar com atitudes de agressividade ou menos respeito) pois representaram, nos primeiros dez meses do ano passado 2.042.036.000,00 €.
As comunidades portuguesas no estrangeiro assumem uma importância especialíssima no quadro da globalização, por constituírem uma rede natural de interesses económicos, sociais e culturais que só é relevante no contexto português se mantiver níveis de coesão razoáveis, os quais só podem assegurar-se por via de uma melhoria das acções de informação e pela catalisação da intervenção política dos seus cidadãos.
Daí que, mais importante que os negócios das comendas, seja especialmente relevante reflectir sobre as políticas da cidadania portuguesa – desde a questão da nacionalidade à questão do acesso aos serviços públicos, nomeadamente dos serviços consulares – procurando melhorar a sua qualidade e a sua coerência, por via do aproveitamento dos recursos que as novas tecnologias nos fornecem.
Só a título de exemplo, trago à liça alguns aspectos relevantes:
a) Recentemente foi operada uma profunda reforma na tributação do património, com implicações importantíssimas na vida de milhares e milhares de emigrantes, não tendo sido desenvolvida nenhuma acção de informação adequada;
b) No quadro das recentes reformas fiscais, reforçou-se a exigibilidade de nomeação pelos não residentes de representantes fiscais, sem que se abrisse uma excepção, plenamente justificável para os emigrantes e facilmente suprível, por exemplo, por via de formatos de comunicação electrónica para endereços escolhidos pelos interessados;
c) Em descontinuidade completa com uma política de melhoria da qualidade dos serviços públicos (a ideia de Jorge Coelho era levar as Lojas do Cidadão a todos os consulados) os governos do PSD/CDS, para além de encerrarem diversos consulados burocratizaram (ao nível do ilegal) os serviços em diversas repartições consulares portuguesa (de que o mais grotesco exemplo é o de S. Paulo) degradando a qualidade do serviço público de que os nossos compatriotas são credores;
d) Apesar de se conhecerem, por serem previsíveis, os efeitos de tal política não se tomaram medidas adequadas às desconcentração da acessibilidade aos serviços públicos, permitindo, nomeadamente, que os residentes no estrangeiro possa aceder directamente (até por via electrónica) aos serviços públicos competentes em Portugal.
E os dramas multiplicaram-se...
e) Implementados o ASIC e o ASEC pelos governos do PS, foram esses sistemas paralisados, por completo, pelos governos do PSD/CDS, abandonando-se completamente os portugueses a quem a sorte não sorriu.
Estas e outras questões delicadas (como são alguns aspectos da dupla tributação) têm que ser tratadas de forma integrada no quadro de uma política de cidadania, que exige, antes de tudo, para que não restem dúvidas, uma clarificação sobre o sentido e o futuro da condição de nacional português.
Essa reflexão deve processar-se no curto prazo, porque há um conjunto de realidades que não podem contornar-se por mais tempo, até porque estão a gerar fenómenos de xenofobia (por relação a compatriotas nossos e a familiares seus) que são intoleráveis.
Basta ver muitas das decisões que se adoptam relativamente à qualificação dos “vínculos à comunidade portuguesa” para efeitos de aquisição da nacionalidade pelos cônjuges de cidadãos portugueses ou por descendentes de portugueses.
Entendo que qualquer debate sobre estas questões – a realizar-se no quadro próprio que é o parlamentar – só será frutuoso se for participado por elementos activos das próprias comunidades, que as possam representar condignamente.
Por essa razão, embora me tenha envolvido, com alguma frequência nos últimos anos, em discussões colectivas destas temáticas, tenho defendido de forma reiterada que, antes de tudo, é indispensável que os partidos encontrem formas de representação dentro das próprias comunidades, que permitam apreender o seu pulsar sobre as diversas matérias e organizar a opinião política dos cidadãos em termos que permitam gerar opções em termos de escolha de representantes.
Para além de ligações muito estreitas com alguns camaradas de França, da Suíça e do Canadá, tenho emprestado uma participação activa às acções dos nossos camaradas do Brasil, especialmente de S. Paulo e de Belo Horizonte.
Tem sido uma acção não ingerente, de alguém que é do PS há muito tempo, que conhece algumas regras e, sobretudo, que tem princípios.
Depois do congresso constitutivo da Federação do Brasil do Partido Socialista, em que estiveram presentes os camaradas Carlos Luis, Alberto Antunes e Rui Cunha, fui solicitado, por diversas vezes, a intervir em sessões políticas e em reuniões com os nossos camaradas, apoiando as suas acções no sentido de organizar uma federação viva, assente no funcionamento das secções e numa militância efectiva, em prol da defesa dos grandes princípios orientadores do partido.
No meu entendimento, o PS do Brasil conseguiu reunir o escol da comunidade portuguesa, desde personalidades históricas como Ruth Escobar e José Verdasca, a políticos bi-nacionais prestigiados como Pierre de Freitas e Fernando Leça ou a personalidades como Amílcar Casado, que foi o último grande presidente da Portuguesa de Desportos, André Pinto de Sousa, Fábio Donato, presidente da Sociedade de Beneficência Portuguesa de Araraquara, José Duarte de Almeida Alves, para citar apenas alguns.
Analisado o trabalho político as últimas eleições – feitas as contas – concluíram estes camaradas que estaria ao alcance do PS construir no Brasil uma vitória eleitoral retumbante no circulo Fora da Europa.
Bastaria para isso incrementar o recenseamento eleitoral e desenvolver um trabalho político sério, por forma a apresentar ao eleitorado personalidades credíveis, que pudessem merecer a confiança dos demais cidadãos.
Os camaradas de S. Paulo envolveram-se a fundo na eleição dos candidatos ao Conselho das Comunidades Portuguesas que venceram as últimas eleições para este órgão.Foram eles quem levou António de Almeida e Silva à vitória, sendo certo que a sua eleição para presidente do Conselho Permanente não teria sido possível sem o envolvimento activo dos nossos camaradas que participam nesse conselho.
Devo informá-lo que Almeida e Silva só não aderiu nesse momento ao Partido Socialista (chegou a preencher a ficha) porque se considerou útil que o não fizesse nessa altura.
De resto, procurando manter embora uma postura de independente, atenta a posição institucional que ocupa, sempre esteve connosco.Daí que me tenha parecido normal e mais do que razoável que os camaradas da Federação do Brasil o tenham convidado para que aceitasse ser apresentado à comissão política do PS como o candidato pelo circulo Fora da Europa.
Tudo isto tinha sido devidamente “calculado” no momento em que se envolveu António de Almeida e Silva nas eleições para o Conselho das Comunidades.
Cheguei ao Brasil imediatamente após a queda do governo de Santana Lopes e logo fui informado de que os camaradas de S. Paulo andavam reunindo e consultado pessoas de forma a formar uma opinião sobre os candidatos.
A propósito dessa matéria limitei-me a dar a minha opinião e a ajudá-los a interpretar os estatutos, salientando que a capacidade de decisão era dos órgãos da Federação, não me cabendo a mim influenciar qualquer escolha.
Tive intervenção sim (essa de âmbito jurídico) na elaboração de um parecer (pelo qual, naturalmente, nada cobrei) sobre os direitos eleitorais dos bi-nacionais e dos portugueses titulares do estatuto de igualdade de direitos e no aconselhamento de medidas a adoptar perante a obstrução ao recenseamento eleitoral no Consulado Geral de S. Paulo.
Em consequência de um requerimento da Federação do Brasil, a Comissão Nacional de Eleições acabou por adoptar uma deliberação ordenando o respeito da lei.
Tive conhecimento de várias mensagens enviadas pelo secretário coordenador a si próprio e ao camarada José Lello, tendo-me causado estranheza o teor de uma mensagem, exclusivamente desmotivadora, enviada pelo camarada José Pisco, que levantava dúvidas sobre a regularidade da Federação.
Dizia essa mensagem que a Federação não estava inscrita no departamento de dados do partido... o que, por si só, é um absurdo, porque, a ser verdade, se trata de uma falta do departamento e não da Federação. Ou então teríamos que concluir que tudo isto é uma palhaçada e que, para que não seja coisa mais grave, alguém terá que mandar recortar do “Acção Socialista” a noticia do congresso constitutivo.
Soube depois que a Federação de S. Paulo, mal adoptou a deliberação em que aprovou os nomes dos candidatos a propôr o comunicou ao Partido e a si próprio, não tendo recebido nenhuma resposta.
E vi depois no site do Partido que tinha sido escolhido, não se sabe por quem, um “independente” próximo do nosso principal adversário no circulo Fora da Europa (José Cesário) para encabeçar a lista do PS.
No entendimento dos nossos camaradas do Brasil, o Aníbal Araújo não tem nem a confiança nem o prestígio suficiente para poder representar os nossos compatriotas na Assembleia da República. É conhecido na comunidade como um mero angariador de anúncios para uma publicação que poucos conhecem, porque não tem difusão. E nada tem a ver com as comunidades no exterior.
Fernando Ramos é uma pessoa pouco conhecida, não se lhe conhecem ideias políticas e não reune consensos. A ambos se reconhece como coisa comum o de nada de relevante terem feito pela comunidade portuguesa.
Esta é a opinião generalizada dos camaradas do Partido Socialista.Daí que a postura adoptada pelos órgãos nacionais do PS seja entendida como uma afronta aos órgãos locais mas, sobretudo, como uma enorme falta de respeito pelas regras democráticas.
Perante a previsão da prepotência, discutiu-se entre os membros mais activos da comissão política (e eu participei nessa discussão) a questão de saber como haveriam de reagir os órgãos federativos na hipótese de serem escolhidos candidatos que, claramente, esses órgãos afirmaram que não mereciam a sua confiança.
Foram equacionados três quadros:
a) Apoiar os candidatos escolhidos por Lisboa, porque isso favoreceria o partido na sua globalidade;
b) Não apoiar esses candidatos, nada fazendo na campanha eleitoral;
c) Apelar ao voto em branco como forma de responsabilizar politicamente quem fez a escolha.
A questão é delicada. Eu sempre fui contra o voto em branco, com os argumentos que foram usados pelo PS em 1975, quando o PCP apelou nesse sentido.
Mas o quadro é outro; e não há nenhuma dúvida de que o voto em branco é forma democrática de sufrágio.
No nosso sistema constitucional, o voto em branco é a forma de dizer: «quero participar na vida política, mas não tenho candidato que me mereça confiança. Por isso voto em branco».
Nesse debate, ficou para mim claro que os camaradas rejeitaram liminarmente a hipótese de virem a apoiar as pessoas que já estavam indigitadas e relativamente às quais a Federação havia declarado formalmente a sua desconfiança.
Punha-se, então, a hipótese de «desmobilizar» na campanha eleitoral e nada fazer. Contra essa hipótese se levantou o argumento de que, nesse quadro, não será possível medir o descontentamento, por não haver votos a contar.
Por isso me pareceu que a maioria das opiniões se inclina para que se apele ao voto em branco, como forma de protestar pela prepotência de que os órgãos locais foram alvo.
Dir-se-à que fica prejudicado o partido, mas, respondem os camaradas, entre os deputados escolhidos por Lisboa e os do PSD não se alcançam diferenças, pelo que o partido, em vez de perder, ganhará se eles não forem eleitos.
O que está em causa para os nossos camaradas é uma questão de longo prazo, que tem a ver com o esclarecimento peremptório da lógica das escolhas. Ou elas são feitas nas próprias comunidades ou são feitas por quem nada tem a ver com elas.
Se os camaradas do Brasil deliberarem apelar ao voto em branco como forma de penalizar os responsáveis por este abuso, estarei, naturalmente com eles.Porque, como eles, penso que o Partido não perde nada com isso. Antes se valoriza, porque é um partido democrático e deve começar por respeitar a própria democracia interna.
No dia 20 de Fevereiro veremos o resultado desta barbaridade. Pena é que se tenha desfeito o sonho de conquistar desta vez dois deputados no círculo Fora da Europa, o que estava perfeitamente ao nosso alcance.
Lastimo, sinceramente, ter-me envolvido nas acções políticas em que me envolvi, procurando ajudar na implementação de uma estrutura efectiva do PS no Brasil, que hoje conta com cerca de 300 militantes. Eu deveria ter percebido que isto não interessa a quem tem da emigração uma visão tacanha que eu não comungo e na qual não quero participar.
Sem prejuízo de tudo isso - e da clareza de pensamentos e de propósitos de que nunca abdiquei – pode contar comigo para o debate das questões enunciadas e de outras que lhe são conexas, ciente de que, no meu entendimento, o PS é a única força política com condições para afirmar uma política moderna para as comunidades portuguesas da diáspora.
Saudações socialistas
Miguel Reis