É a diplomacia que temos.
Chama-se Martim Mello Bleck, tem 17 anos e uma história dramática para contar, que acabou com um final relativamente feliz. O jovem, português residente em Paris, esteve 48 horas sem saber que a mãe estava viva. Só depois de dois dias de desespero é que Martim soube, através de um fax enviado pela família, que a mãe já tinha dado sinais de vida. A juntar ao drama que viveu, o jovem tem também “a atitude da embaixada portuguesa, que me mandou voltar lá no dia seguinte para saber da minha mãe.” Martim não tinha dinheiro, estava sozinho e com ferimentos, aos quais foi mais tarde operado. Martim estava em Khao Lak quando tudo começou. “Estava com uns amigos, ouvi tailandeses a gritarem e fui ao bungalow da minha mãe chamá-la.” A partir daí, o caos: “Eu fui arrastado para um lado, ela para o outro. Perdi-a de vista. Fiquei preso, debaixo de água, mas consegui libertar-me.” O jovem acabou sentado num monte de lixo ao lado de um “alemão de idade, todo nu”, à espera que o nível de água descesse. Ainda nadou até um frigorífico, retirou de lá garrafas de água, que “o sol estava muito quente.” Cinco horas depois e uma grande caminhada feita, Martim começou a perceber o que se passava: “Cheguei a uma localidade e vi centenas de mortos. Fui ajudado por uma família de tailandeses numa escola onde estavam a fazer os primeiros socorros.” Desconhecendo o paradeiro da mãe, foi ao hospital mais próximo e deixou a indicação de que estava vivo. Seria esse mesmo recado que a mãe iria ler, muitas horas mais tarde, e que permitiria a reunião com o filho.
Sem telemóvel e sem saber para quem telefonar, “porque não sei os números de telefone de memória”, Martim tomou logo a decisão de recorrer à embaixada portuguesa na capital tailandesa, para comunicar com a família e pedir ajuda sobre o desaparecimento da mãe. Auxiliado por “um americano casado com uma tailandesa”, chega a Banguecoque na segunda-feira de manhã, mas não encontra ninguém da embaixada portuguesa no aeroporto. Recorre então aos franceses, que o levam até à representação diplomática lusitana. “Um senhor, que sei agora que é o encarregado de negócios, disse-me para voltar no dia seguinte se queria saber novidades. Eu tinha o pé inchadíssimo.”
Aos jornalistas que o visitaram no Hospital BNH, no sábado passado, Martim contou ainda que não lhe tinham dado dinheiro. “Disseram-me que se voltasse no dia seguinte talvez me pudessem ajudar.”Sem dinheiro nem ter onde dormir, sem saber da mãe, o rapaz de 17 anos decidiu pedir ajuda à diplomacia francesa, que começou por o instalar num hotel, dar-lhe roupas e dinheiro para se aguentar na capital tailandesa, para mais tarde o ajudar no internamento e suportar os custos do hospital tailandês.
Filipa Mello Bleck, a mãe de Martim, deitada numa cama de hospital ao lado do filho, depois de uma cirurgia em “vários sítios do corpo onde as feridas já estavam infectadas”, faz o relato dos dias em que esteve sem saber do filho. “Fiquei enterrada mais de meia hora, com um morto ao meu lado e mais uma senhora tailandesa que tentava, como eu, respirar.”
Depois de se conseguir libertar, Filipa Mello Bleck refugiou-se numa casa em construção, foi ajudada por um tailandês e acabou por ir ter ao hospital. O desespero por não saber do filho fez com que nem sequer fosse tratada. Andou com um amigo francês, que encontrou entretanto, à procura de Martim. “O meu amigo anda à procura da mulher e da filha de seis meses, que ainda não apareceram.”Depois de uma noite a dormir na rua e de muitos quilómetros feitos a pé, a portuguesa residente em Paris consegue saber que o filho está bem, em Banguecoque.
O reencontro dá-se já na capital tailandesa, onde são os dois internados no mesmo hospital e submetidos a cirurgias.
Filipa Mello Bleck não consegue compreender a forma de actuação da embaixada portuguesa: “O meu filho pode ter este tamanho todo, 1,88 m, mas é menor, tem 17 anos. Deixaram-no na rua sem dinheiro, ferido e sem saber da mãe.”
À hora em que mãe e filho falaram com os jornalistas de Macau, ao princípio da noite de sábado, no hospital de Banguecoque, o regresso estava já agendado. Foram transportados por um avião militar francês, que lhes deu uma “boleia” até Paris, a cidade onde residem. Filipa Mello Black tenciona voltar à Tailândia, mesmo sendo o país onde está desaparecida, há mais de uma semana, a sua melhor amiga: “Quero voltar aqui, este povo é extraordinário. Ajudaram-me em tudo, roupa, comida. Dão tudo o que têm.” Martim partilha da vontade de regresso da mãe: “Os tailandeses também perderam famílias. Perderam também as casas, estavam desesperados e nem por isso deixaram de fazer tudo o que podiam por nós.”