Exmº Senhor
Engº José Sócrates
Ilustre Primeiro Ministro de Portugal
Por correio electrónico
Assunto: Reflexão sobre o caso de uma criança de quatro anos, filha de cidadão português, impedida de viajar para Portugal
S. Paulo, 12 de Novembro de 2005
Exmº Senhor
Primeiro Ministro
Escrevo-lhe para lhe falar de duas questões que lhe são caras, a propósito do drama de uma família e, especialmente, do drama de uma criança de quatro anos, filha de um cidadão português, que está retida em S. Paulo e impedida de viajar para Portugal.
As questões a que me reporto são a dos direitos dos cidadãos perante os serviços públicos e a do choque tecnológico.
A história subjacente à reflexão que lhe proponho resume-se na seguinte história:
1. Há cerca de 10 anos, uma jovem russa que vivia na Jugoslávia fugiu para o Brasil, onde lhe propuseram que adquirisse a nacionalidade brasileira por naturalização.
2. Algum tempo depois, já brasileira e com um passaporte brasileiro, a jovem emigrou para a Suiça, onde conheceu um cidadão português.
3. Namoraram e tiveram um filho, que foi por eles registado num consulado do Brasil, adquirindo a nacionalidade brasileira.
4. Casaram-se algum tempo depois e registaram o seu casamento no mesmo consulado do Brasil.
5. Durante esses dez anos, Júlia visitou várias vezes o Brasil e fez a sua vida normal, como cidadão brasileira. Até que em meados do ano passado, quanto se propunha renovar o passaporte, a Polícia Federal constatou que o processo de naturalização estava viciado.
6. Foi detida e os documentos seus e de seu filho foram apreendidos. A criança passou a ser apátrida e a viver absolutamente indocumentada.
7. Quando fui consultado pelos pais, aconselhei-os a dirigirem-se ao Consulado Geral de Portugal em S. Paulo e a proceder ao registo do nascimento do menor, que, sendo filho de cidadão português, é atributivo de nacionalidade.
8. O Consulado Geral de Portugal em S. Paulo está de portas fechadas e não atende os cidadãos que queiram contactá-lo. Há um conjunto de actos típicos que só são processados depois do envio de documentação específica e de uma marcação por um call center.
9. Como este caso não encaixa nos casos típicos, os pais do menor não conseguiram nunca marcar uma entrevista com nenhum funcionário consular, porque o call-center tem instruções mecanizadas, que não respondiam a esta situação.
10. Atento este quadro procurou o nosso escritório de S. Paulo contactar o Consulado, tendo esbarrado sempre com o mesmo obstáculo.
11. Nunca nenhuma das nossas mensagens recebeu qualquer resposta.
12. Júlia teve que viajar para a Rússia para regularizar a sua documentação, nos termos previstos no processo judicial que corre no Brasil.
14. No dia 7 de Novembro fizemos acompanhar Júlia e o marido português por um advogado do nosso escritório em S. Paulo ao Consulado Geral de Portugal, visando o esclarecimento das questões técnico-jurídicas que este caso suscitava.
15. O advogado, o meu colega Roberto Reial Linhares, foi pura e simplesmente impedido de entrar no Consulado Geral, sob a alegação de que é proibido aos utentes fazerem acompanhar-se de advogados.
16. O cidadão português e a sua mulher russa foram esclarecidos de que o Consulado não tinha solução para o seu caso e mandados embora.
17. No dia seguinte, eu próprio os acompanhei ao Consulado Geral de Portugal em S. Paulo.
18. Quando me apresentei no Consulado, tendo-me identificado como advogado inscrito nas Ordens de Portugal e do Brasil, foi recusada a minha entrada, tendo sido informado de que não podiam entrar advogados.
19. Perante o ocorrido com o meu colega no dia anterior, tomei a iniciativa de alertar a Televisão Bandeirantes para a gravidade da situação do que se passava no Consulado de Portugal, agravada no caso por estar envolvida uma criança de quatro anos. Ficou combinado que, na hipótese de não me deixarem entrar, compareceria no local uma equipa da referida estação.
20. A minha entrada só foi permitida no momento em que, fiz uma chamada telefónica em termos que permitiram que os seguranças se apercebessem que eu não sairia dali e que estava à espera de uma equipa de televisão.
21. Depois de uma longa espera, fui recebido por um funcionário que reiterou não haver solução para este caso.
22. Depois da minha insistência compareceu a Cônsul Geral Adjunta, a quem expliquei que os meus clientes pretendiam, tão só proceder a uma declaração para registo de nascimento do seu filho menor, com a maior urgência, porque viviam a circunstância dramática de ter que deixar a criança no Brasil ao cuidado de terceiros. Feita tal declaração de nascimento, que é atributiva da nacionalidade portuguesa, pediriam os meus clientes que fosse passado à criança um documento único de viagem que lhe permitisse viajar para Portugal onde poderia ficar á guarda da avó, se a burocracia atrasasse a emissão de um bilhete de identidade ou de um passaporte.
23. O pedido de recolha de uma declaração de nascimento para efeitos de registo civil foi recusado, depois de uma conversa muito desagradável.
24. No dia seguinte (dia 9) os meus clientes foram contactados para comparecer no Consulado, onde já estava preparada a declaração de nascimento que fora recusada no dia anterior e onde a Cônsul Geral Adjunta aceitou fazer um reconhecimento de letra e assinatura da mãe do menor, que naquele dia viajava para a Rússia.
25. Cumprida esta formalidade e não havendo quaisquer dúvidas de que o menor tem o direito de ver reconhecida a nacionalidade portuguesa, pedi que fosse emitido um título de viagem para que o menor viajasse com seu pai para Portugal, tendo o mesmo sido recusado, a meu ver sem nenhum fundamento legal.
26. Informou-me a Cônsul-Geral Adjunta que enviaria, de imediato, toda a documentação, via fax, para a Conservatória dos Registos Centrais, o que efectivamente aconteceu.
27. De imediato, em Lisboa, uma Colega tentou acompanhar o processo e alertar para a necessidade do seu tratamento urgente. Foi-lhe respondido que não havia prioridades e que a Conservatória dos Registos Centrais não considera válidos os documentos enviados via telefax, apesar de o Decreto-Lei nº 66/2005, de 15 de Março ser expresso no sentido de que «os serviços registrais e os cartórios notariais podem transmitir entre si documentos constantes dos respectivos arquivos por meio de telecópia ou por via electrónica nos mesmos termos em que deles podem extrair certidões, sendo reconhecida aos documentos emitidos a força probatória dos originais».
28. Tendo a minha colega perguntado qual o tempo previsível para o processamento do registo e alertado para a gravidade da situação concreta, foi-lhe respondido que não havia nenhuma perspectiva de prazo, que deveriam os interessados esperar até ser contactados.
29. Todos os passos destes processamentos foram comunicados à Embaixada de Portugal em Brasília e à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas.
30. Apenas o Embaixador de Portugal em Brasília teve a amabilidade de nos responder, dizendo que encaminhara todo o expediente para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que deveríamos passar a contactar directamente.
31. Depois da partida da mãe do menor, teve o pai que partir para Genebra, no dia 10, depois de ter adiado a viagem por um dia, sob pena de colocar em risco o seu emprego, pelo que o menor teve que ficar aos cuidados de um taxista amigo da família.
32.Na sequência destes factos, perante o completo desinteresse da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, que não nos deu qualquer resposta às nossas comunicações, procuramos obter a ajuda das autoridades brasileiras, que nos garantiram que emitiriam um documento de viagem se, de forma inequívoca, o Consulado de Portugal nos afirmasse que não emite tal documento.
33. No dia 11 de Novembro, foi pedido ao Consulado de Portugal que emitisse uma declaração em conformidade com a realidade: ou seja, dizendo que se recusa a emitir um documento de viagem para o menor.
34. No dia 12 de Novembro, o Consulado Geral de Portugal enviou-nos uma declaração dizendo que não foi autorizado nem a lavrar o assento de nascimento nem a emitir um documento de viagem para o menor e que o emitirá imediatamente logo que lhe seja dada permissão.
Parece-me que uma história como esta nos deve envergonhar a todos, a vários títulos, e ficarei muito triste se, mais uma vez, a culpa puder morrer solteira.
É por demais evidente que, em todos os seus passos, ela ofende regras essenciais do funcionamento dos serviços públicos, que têm como escopo a protecção dos utentes e o respeito pela sua dignidade.
O Governo de António Guterres, a que Vª Exª pertenceu, fez nessa matéria um trabalho notável, com a publicação de dois diplomas da maior importância: o Decreto-Lei nº 135/99, de 22 de Abril que «define os princípios gerais de acção a que devem obedecer os serviços e organismos da Administração Pública na sua actuação face ao cidadão» e o Decreto-Lei n.º 381/97 de 30 de Dezembro que aprova o Regulamento Consular.
Os governos que se lhe sucederam criaram situações de rotura com os princípios em que assentaram essas reformas, em termos que assumem uma especial gravidade no relacionamento com os portugueses residentes no estrangeiro, especialmente em dois casos: os do Consulado Geral de Portugal em S. Paulo e do Consulado Geral de Portugal em Londres.
Refiro-me, por ora, apenas à situação do Consulado Geral de Portugal em S. Paulo, apesar de conviver, diariamente, em razão da minha profissão, com problemas gerados no Consulado de Londres.
Cito o preâmbulo do Decreto-Lei nº 135/99, de 22 de Abril:
«A resposta pronta, correcta e com qualidade, que efective direitos e viabilize iniciativas, não se compadece com processos e métodos de trabalho anacrónicos e burocráticos, pouco próprios das modernas sociedades democráticas, que devem superar conflitos de valores da tradicional cultura administrativa, face às imposições dos actuais ritmos de vida e às aspirações cada vez mais exigentes do cidadão, cliente do serviço público».
Bastaria esta passagem sobre o sentido da lei para condenar, de forma veemente, o comportamento da Administração neste caso, tanto mais que se reconhece que, também agora «tem o Governo vindo a desenvolver um esforço permanente de reforço das relações entre a Administração e a sociedade, aprofundando a cultura do serviço público, orientada para os cidadãos e para uma eficaz gestão pública que se paute pela eficácia, eficiência e qualidade da Administração», como se aquele preâmbulo continuasse (e estamos convencidos de que continua) a ser uma declaração actual.
O Decreto-Lei nº 135/99, de 22 de Abril «estabelece medidas de modernização administrativa, designadamente sobre acolhimento e atendimento dos cidadãos em geral e dos agentes económicos em particular, comunicação administrativa, simplificação de procedimentos, audição dos utentes e sistema de informação para a gestão» e «aplica-se a todos os serviços da administração central, regional e local, bem como aos institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados do Estado ou de fundos públicos».
Não há pois nenhuma dúvida de que se aplica também aos consulados de Portugal, que não podem continuar a ser como que uma coutada dos respectivos dirigentes.
Cito, do referido diploma, alguns preceitos que estão a ser grosseiramente violados pelo Consulado Geral de Portugal em S. Paulo.
Para melhor facilidade e compreensão anoto, por relação a cada uma das disposições, os vícios encontrados neste Consulado Geral.
Artigo 2.º
Princípios de acção
Os serviços e organismos da Administração Pública estão ao serviço do cidadão e devem orientar a sua acção de acordo com os princípios da qualidade, da protecção da confiança, da comunicação eficaz e transparente, da simplicidade, da responsabilidade e da gestão participativa, tendo em vista:
a) Garantir que a sua actividade se orienta para a satisfação das necessidades dos cidadãos e seja assegurada a audição dos mesmos como forma de melhorar os métodos e procedimentos;
b) Aprofundar a confiança nos cidadãos, valorizando as suas declarações e dispensando comprovativos, sem prejuízo de penalização dos infractores;
c) Assegurar uma comunicação eficaz e transparente, através da divulgação das suas actividades, das formalidades exigidas, do acesso à informação, da cordialidade do relacionamento, bem como do recurso a novas tecnologias;
d) Privilegiar a opção pelos procedimentos mais simples, cómodos, expeditos e económicos;e) Adoptar procedimentos que garantam a sua eficácia e a assunção de responsabilidades por parte dos funcionários;
f) Adoptar métodos de trabalho em equipa, promovendo a comunicação interna e a cooperação intersectorial, desenvolvendo a motivação dos funcionários para o esforço conjunto de melhorar os serviços e compartilhar os riscos e responsabilidades.
O Consulado Geral de Portugal em S. Paulo mudou, como será do seu conhecimento, das instalações da Casa de Portugal, no Centro da cidade, para um vivenda situada numa zona residencial, na Rua do Canadá.
Trata-se de um processo muito obscuro, porque não esclarecido, tanto do ponto de vista administrativo como do ponto de vista financeiro, que importaria que fosse investigado, tanto mais que é do conhecimento público de que para as respectivas obras ou para as obras realizadas na sumptuosa residência do Cônsul, foram utilizados dinheiros pedidos a empresas, algumas delas cotadas em bolsa, sem que isso figure dos factos relevantes.
As instalações consulares não possuem o mínimo de condições para o funcionamento como serviço aberto ao público.
São mal servidas de transportes públicos e situam-se numa rua em que o estacionamento é proibido.
Não são pois minimamente adequadas à satisfação dos interesses dos cidadãos.
Os serviços funcionam de porta fechada, sem acesso do público.
O acesso directo é interdito.
Há uma Central Telefónica, que funciona com empregados de uma subsidiária da Portugal Telecom, sem pessoal qualificado que filtra toda a comunicação com o Consulado.
Diz o Consulado no seu site que «a Central de Atendimento Telefónico3084-1800 presta todas as informações de que o utente precisa» mas isso não é verdade porque o nível de conhecimento dos atendentes não o permite como nós próprios o temos constatado e é de facílima auditoria.
Este facto é, por si só, susceptível de gerar a generalizada desconfiança do público.
O Consulado enunciou um conjunto de situações típicas para as quais é possível uma ementa que os «papagaios» do call-center debitam pelo telefone.
As respostas ao que saia da ementa são, necessariamente, erradas, como são erradas mesmo algumas das constantes da ementa.
A reforma constante do diploma que vimos citando não é uma resposta no sentido da robótica mas no sentido de uma humanização dos serviços públicos.
A leitura atenta do conteúdo do site http://www.consuladoportugalsp.org.br/ induz no cidadão uma generalizada ideia de rejeição da sua presença, que é contrária às ideias marcantes da reforma.
Não venha, fale com os papagaios da central, mande os papeis que nós analisamos e depois dizemos como é, mas não nos apareça. Só falta dizer: «Nós odiamos-vos».
«Quando tiver que vir ao Consulado, deverá comparecer apenas no horário marcado e não trazer acompanhantes pois os mesmos não poderão entrar».
Aproveitou-se o pretexto de uma luta antiga (em que sempre estive envolvido, em Portugal e no Brasil) que é a luta contra a procuradoria ilícita, para proibir o acesso aos advogados de Portugal e do Brasil, anunciando-o desta forma cínica:
«Os serviços prestados por este Consulado-geral são agora mais simples e podem ser obtidos com grande rapidez e facilidade, directamente, sem necessidade de despachantes ou outros intermediários, e com a garantia que os pedidos são todos processados rigorosamente pela ordem cronológica da sua chegada pelo correio.»
Os outros intermediários (como se os advogados fossem intermediários e não mandatários) são os advogados, cujo acesso se veda para que não ponham em causa os erros e as insuficiências do serviços, nomeadamente por via de demonstração de que actos que se recusam são absolutamente viáveis.
Também este facto põe em causa a confiabilidade do serviço, sendo certo que disso somos testemunhas, porque no exercício da nossa actividade profissional temos solucionado centenas de problemas que o Consulado considera sem solução.
Artigo 3.º
Direitos dos utentes dos serviços públicos
1 - Os serviços e organismos da Administração Pública, no âmbito das actividades exercidas ao abrigo do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, devem adoptar as medidas adequadas a dar cumprimento ao disposto neste diploma, em especial no que respeita à qualidade dos bens e serviços, à protecção da saúde, da segurança física e dos interesses económicos dos cidadãos e à informação.2 - Os utentes do serviço público têm direito a solicitar, oralmente ou por escrito, informação sobre o andamento dos processos administrativos que lhes digam respeito.
A qualidade dos serviços é, em muitas situações, péssima em razão de erros de natureza técnico-jurídica.
O caso que reportamos é paradigmático. O que o Consulado Geral respondeu a estes dois país que o procuraram, antes de termos forçado a entrada, foi que não tinha qualquer solução para o seu problema.
Milhares de outros casos incógnitos haverá, que nunca chegarão ao conhecimento de ninguém porque os cidadãos nem sequer são informados de que podem reclamar nem para quem podem reclamar.
Artigo 6.º
Horários de atendimento
1 - Os serviços ou organismos que tenham atendimento ao público devem praticar um horário contínuo que abranja sempre o período da hora do almoço, salvo se estiverem autorizados pelo respectivo membro do Governo a praticar outro diferente.2 - A prática do horário contínuo não prejudica o período legalmente fixado de duração de trabalho diário dos respectivos trabalhadores.
3 - Em todos os locais de acolhimento e atendimento de público deve estar afixado, por forma bem visível, o respectivo horário de funcionamento e atendimento.
Os consulados são, por natureza e por força do disposto no Regulamento Consular repartições abertas ao público. Esta funciona à porta fechada, sem acesso do público sequer a um guichet de informações, o que do meu ponto de vista é absolutamente ilegal.
Artigo 7.
Acolhimento e atendimento
1 - Sempre que a dimensão do serviços públicos o justifique, na entrada a que os utentes tenham acesso, deve permanecer um funcionário conhecedor da sua estrutura e competências genéricas e com qualificação em atendimento de público, que encaminhe os interessados e preste as primeiras informações.
2 - O espaço principal de acolhimento, recepção ou atendimento deve ter:
a) Afixada informação sobre os locais onde são tratados os diversos assuntos;
b) Afixada a tabela dos preços dos bens ou serviços fornecidos;
c) Afixado o organograma do serviço, em que sejam inscritos os nomes dos dirigentes e chefias respectivos;
d) Assinalada a existência de linhas de atendimento telefónico ao público;e) Brochuras, desdobráveis, guias ou outros meios de divulgação de actividades e respectivas formalidades.
3 - Em função da aglomeração de pessoas, deve ser ponderada a instalação de sistemas de marcação de vez, sinalização para auto-encaminhamento e pictogramas de segurança, telefones públicos, instalações sanitárias, dispositivo para fornecimento de água potável, vídeo, televisor, computador que permita o acesso à Internet, ao INFOCID ou a outro meio de divulgação multimedia.
4 - Salvo casos excepcionais, devidamente autorizados pelo membro do Governo responsável, o atendimento deve ser personalizado, isto é, em secretária individual, removendo-se os balcões e postigos, e os funcionários que o efectuem devem estar identificados.
As anteriores instalações tinham uma sala de espera com capacidade para mais de 50 pessoas. Estas têm uma sala de espera onde cabem 12 pessoas.
Nenhum das disposições deste artigo foi cumprida, não havendo um único elemento informativo na sala de espera.
Artigo 8.º
Prestação imediata de serviços
Sempre que a natureza do serviço solicitado pelo cidadão o permita, a sua prestação deve ser efectuada no momento.
Este preceito é, obviamente, desrespeitado porque o consulado funciona de porta fechada, sem acesso do público.
Não é possível, só para dar um exemplo dos mais chocantes, legalizar um documento, pedir uma certidão ou reconhecer uma assinatura.
Não é possível realizar nenhum dos actos que em Portugal são de prestação imediata.
Artigo 10.º
Especialização dos atendedores
1 - Os funcionários e agentes com funções ligadas ao acolhimento e atendimento de utentes devem ter uma formação específica no domínio das relações humanas e das competências do respectivo serviço, de forma a ficarem habilitados a prestar directamente as informações solicitadas ou a encaminhar os utentes para os postos de trabalho adequados.
2 - Se a solicitação dos utentes for feita por telefone, deve o receptor identificar-se através do nome e da função que desempenha.
Esta norma é grosseiramente violada.
Como já se afirmou as pessoas que atendem o público por telefone – única forma de atendimento possível – são operadores de uma empresa privada de call-center sem especialização e sem qualquer formação adequada, que se limitam a ler as instruções que têm no sistema.
Os atendentes recusam a identificação quando a tanto são solicitados.
Comunicação administrativa
Artigo 11.º
Linhas de atendimento telefónico
1 - Nos serviços e organismos da Administração Pública, onde as circunstâncias o justifiquem, são afectadas exclusivamente a pedidos de informação apresentados pelos utentes, uma ou mais linhas telefónicas, designadas por linhas azuis, cuja instalação e manutenção deve ser prioritária.
2 - As linhas azuis devem ser adaptadas ou instaladas de modo a não permitir a realização de chamadas internas ou para o exterior, garantindo assim a sua total disponibilidade para o público
3 - As linhas azuis devem ser apetrechadas com um dispositivo especial para atendimento de chamadas por ordem de entrada, bem como para a sua gravação, nos períodos de encerramento dos serviços, para posterior resposta.
4 - Sempre que possível e se justifique, o serviço deve ponderar a instalação de linhas de atendimento específico de custos reduzidos ou nulos para o utente.
5 - A existência destas linhas de atendimento é de referência obrigatória em todas as comunicações e suportes informativos externos, bem como nos anuários telefónicos.
Não há linhas azuis. Todas as comunicações são pagas pelos utentes.
Artigo 12.º
Encaminhamento de utentes e correspondência
1 - Toda a correspondência entregue em mão, em qualquer edifício afecto à Administração, é obrigatoriamente recebida e encaminhada para os serviços respectivos pela unidade de recepção.
2 - Os serviços públicos remetem, directa e oficiosamente, toda a correspondência que lhes for indevidamente endereçada para as entidades e serviços competentes, informando os interessados.
3 - Os serviços procedem ao esclarecimento ou encaminhamento dos utentes que, presencialmente ou por telefone, lhes apresentem assuntos da competência de outros serviços ou entidades públicas.
Não é cumprido o ponto 3, porque o Consulado funciona sem acesso do público e os operadores do call-center só respondem às questões típicas que lhe forem colocadas e que são, no essencial, as que constam do site.
Artigo 13.º
Formalidades administrativas
1 - Os serviços e organismos da Administração Pública devem facultar aos respectivos utentes os formulários e os valores selados necessários à instrução dos seus processos, de modo a evitar que o público tenha de se deslocar para os adquirir.
2 - Os serviços e organismos devem proceder à sinalização do local de venda de formulários e valores selados necessários à respectiva actividade.
3 - Só podem ser exigidos formulários, formalidades ou pagamentos que sejam expressamente mencionados em lei ou regulamento, devendo cada serviço proceder à sua simplificação em termos de quantidade e de conteúdo, bem como generalizar o uso de suportes em papel pré-impresso.
Esta norma é grosseiramente violada pela exigência de um conjunto de procedimentos não permitidos por lei e que oneram gravemente os procedimentos administrativos.
São exigidas formalidades absolutamente proibidas, no quadro da reforma administrativa a que vimos aludindo, nomeadamente:
a) Reconhecimentos de assinaturas;
b) Autenticação de documentos;
c) Fotocópias em excesso.
É exigido aos utentes que enviem os documentos de cada procedimento acompanhado de um «cheque-postal» dos Correios do Brasil, pelo sistema de correio Sedex e com valores superiores aos dos actos, nos termos do Regulamento de Emolumentos Consulares.
Não é admitida a remessa de documentos da mesma natureza num mesmo envelope, com excepção das legalizações de documentos.
Por exemplo, se todos os membros de uma família quiserem pedir ao mesmo tempo os seus passaportes têm que enviar um envelope para cada uma das pessoas.
Artigo 18.º
Pedido de documentos
1 - A emissão de certidões, atestados e outros actos meramente declarativos deve efectuar-se mediante requerimento oral ou escrito, designadamente telefónico, electrónico ou por fax.
2 - Nos casos em que o requerimento seja feito oralmente, será lavrado, se necessário, registo do pedido formulado, do qual constem os elementos necessários, que será assinado e datado pelo funcionário que receber o pedido.
O Consulado não aceita pedidos de certidão feitos por telefone, correio electrónico, fax ou por requerimento verbal, mas apenas pelo método atrás referido.
Artigo 21.º
Remessa postal de documentos
1 - Sempre que sejam produzidas certidões, atestados ou outros actos meramente declarativos, destinados aos cidadãos, devem os serviços facultar a opção de remessa por via postal, sempre que possível, sem acréscimo de encargos.2 - A remessa postal referida no número anterior pode ser feita com registo ou aviso de recepção, a pedido do interessado e a expensas deste.
3 - A cobrança de importâncias devidas pela prestação de serviços, nomeadamente os que se concretizam pela remessa postal de documentos, pode efectuar-se através dos correios.4 - Quando os serviços e organismos não possam entregar no acto do requerimento, documentos que lhes sejam solicitados, promovem a sua remessa aos interessados por correio, sem acréscimo de encargos para o cidadão.
5 - A faculdade de opção referida no n.º 1 deve ser publicitada aos utentes de forma clara nos locais de atendimento.
A remessa postal dos documentos é a regra, mas com encargos suportados pelo utente
Artigo 26.º
Correio electrónico
1 - Os serviços e organismos da Administração Pública devem disponibilizar um endereço de correio electrónico para efeito de contacto por parte dos cidadãos e de entidades públicas e privadas e divulgá-lo de forma adequada, bem como assegurar a sua gestão eficaz.
2 - A correspondência transmitida por via electrónica tem o mesmo valor da trocada em suporte de papel, devendo ser-lhe conferida, pela Administração e pelos particulares, idêntico tratamento.
3 - À aplicação do princípio constante do número anterior exceptuam-se os efeitos que impliquem a assinatura ou a autenticação de documentos, até à publicação de diploma regulador da autenticação de documentos electrónicos.~
4 - Compete ao dirigente máximo do serviço designar os funcionários responsáveis pela informação oficial do serviço ou organismo, prestada através da transmissão electrónica de dados.
Da nossa experiência resulta que, por regra, o Consulado não responde às mensagens de correio electrónico.
Artigo 29.º
Respostas sem franquia
Quando for necessário recolher informação que dispense a presença do utente, pode ser-lhe enviado documento pedindo o preenchimento de formulário para reenvio por carta ou postal de resposta sem franquia, autorizada pelos CTT - Correios.
Não é usado sistema semelhante existente no Brasil. Bem pelo contrário a opção é pelo serviço mais caro dos correios do Brasil.
Artigo 30.º
Meios automáticos de pagamento
1 - Os pagamentos devidos à Administração Pública devem poder ser efectuados através da rede pública de caixas automáticas ou de terminais dedicados a pagamentos, em condições a acordar com as entidades gestoras de sistemas de transferência electrónica de fundos, com salvaguarda do registo das operações.
2 - Os serviços públicos devem fomentar a utilização progressiva de meios automáticos e electrónicos de pagamentos devidos à Administração Pública, com vista à substituição da exigência do cheque visado.
Não é aceite o pagamento em dinheiro nem por via electrónica. É imposto o pagamento prévio, por cheque postal, que é um meio bastante oneroso.
Artigo 38.º
Reclamações1 - Os serviços e organismos da Administração Pública ficam obrigados a adoptar o livro de reclamações nos locais onde seja efectuado atendimento de público, devendo a sua existência ser divulgada aos utentes de forma visível.
2 - A autenticação do livro de reclamações compete ao dirigente máximo do serviço ou organismo, em exercício de funções à data da abertura do livro, competência que pode ser delegada, nos casos de serviços desconcentrados, nos respectivos responsáveis.
3 - A cópia azul do livro de reclamações deve ser enviada pelo serviço reclamado ao gabinete do membro do Governo competente, acompanhada de informação sobre a reclamação, donde constem as medidas correctivas adoptadas.
4 - A cópia amarela da reclamação deve ser enviada directamente para o Secretariado para a Modernização Administrativa, acompanhada da informação referida no número anterior e de cópia da resposta dada ao reclamante.
5 - Independentemente da fase de tramitação em que se encontrem as reclamações, na base de dados do Secretariado para a Modernização Administrativa, cabe a cada serviço reclamado dar resposta ao reclamante, acompanhada da devida justificação, bem como das medidas tomadas ou a tornar, se for caso disso, no prazo máximo de 15 dias.
6 - Se para além da resposta dada pelo serviço, a reclamação for objecto de decisão final superior, esta será comunicada ao reclamante pelo serviço ou gabinete do membro do Governo responsável e dada a conhecer ao Secretariado para a Modernização Administrativa.7 - Se for caso disso, o membro do Governo que tutela a Administração Pública deve diligenciar no sentido da realização de auditorias, nos termos legalmente previstos.8 - O modelo do livro de reclamações é definido por portaria do membro do Governo responsável pela Administração Pública.
O livro de reclamações é recusado a quem o reclame na portaria, nomeadamente por lhe ser vedado o acesso ao serviço.
Artigo 39.º
Obrigatoriedade de resposta
1 - Toda a correspondência, designadamente sugestões, críticas ou pedidos de informação cujos autores se identifiquem, dirigida a qualquer serviço será objecto de análise e decisão, devendo ser objecto de resposta com a maior brevidade possível, que não excederá, em regra, 15 dias.
2 - Nos casos em que se conclua pela necessidade de alongar o prazo referido no número anterior, deve o serviço dar informação intercalar da fase de tratamento do assunto em análise.
Da nossa experiência resulta que o Consulado não responde às reclamações. Nunca recebemos resposta às reclamações. Não há nenhum endereço reclamações@cgspl.dgaccp.pt mas apenas um elogios@cgspl.dgaccp.pt .
Para vincar o sentido da reforma, o artº 50º do diploma que citamos estabelecer que «o presente decreto-lei prevalece sobre quaisquer disposições gerais ou especiais relativas aos diversos serviços e organismos da Administração Pública» e que «os dirigentes dos serviços ou organismos mencionados no número anterior, que adoptem ou autorizem a adopção de medidas internas em contravenção com o presente diploma, incorrem em responsabilidade disciplinar, nos termos do respectivo estatuto disciplinar.»
Esta situação tem um sentido quase anedótico quando observamos a situação do Consulado Geral de Portugal em S. Paulo, que é, há muito denunciada e suficientemente conhecida.
Mas, para além dos normativos do Decreto-Lei nº 135/99, de 22 de Abril, o Consulado viola, de forma grosseira, disposições várias do Regulamento Consular, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 381/97 de 30 de Dezembro que é uma excelente lei, com o mesmo sentido daquele diploma, o da melhoria da qualidade do serviço público.
Escreveu o legislador – o Governo de António Guterres - no preâmbulo desse diploma:
«É urgente, por conseguinte, criar um quadro jurídico novo que possibilite a modernização da rede consular portuguesa, orientando esta por novos vectores de actuação nos espaços da cultura, da economia, da protecção e cooperação consulares, maximizando a sua utilidade e garantindo-lhe eficácia e eficiência. (…)
No enquadramento jurídico dado à função consular, que surge orientada por rumos vários, dois vectores interessa destacar: o vector da actuação cultural e o vector da actuação económica. Com eles se pretende, por um lado, a abertura a uma política cultural activa, a empreender pelos postos consulares, virada para a divulgação e a promoção da cultura portuguesa no mundo, e, por outro, a consecução, no domínio dos sectores económico e comercial, de acções que contribuam para a tessitura de uma teia de relações que fomentem, por exemplo, a exportação de bens e de serviços, a conquista de novos mercados e a captação de investimentos estrangeiros.
Sobressaída deve ser também a criação da comissão de acção social e cultural, inovação no direito consular português, que se legitima pela sua índole e que o tempo poderá aprofundar, mostrando-lhe as virtualidades. Com aquela comissão pretende-se aproximar mais os postos consulares das comunidades portuguesas no estrangeiro, criando e desenvolvendo, num modo humanista, um espírito de solidariedade, não só no campo do apoio social mas também no entretecimento de laços entre associações locais e associações existentes em território nacional, assim se trabalhando para maior coesão cultural da diáspora.
Não se poderá deixar de indicar também a cooperação no quadro da comunidade lusófona, que apresenta um elevado potencial de múltiplas realizações em campos vários e a que a prática dará visibilidade.
Procura-se, assim, um maior desprendimento das tradicionais funções consulares, que, embora importantes, não podem impedir a exploração de novas vias enriquecedoras para as comunidades nacionais no estrangeiro.
E a concluir:
«O presente diploma consagra, por isso, um conjunto de regras que permite à instituição consular promover uma melhor defesa e apoio dos direitos e dos interesses legítimos dos portugueses e das comunidades nacionais no estrangeiro, contribuir para a irradiação da cultura portuguesa no mundo, fomentar as relações económicas entre pessoas nacionais e estrangeiras e aprofundar a cooperação consular com os Estados membros da União Europeia e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.»
Logo no Artº 2º estabelece o diploma quais são as atribuições dos postos consulares.
a) A promoção e valorização dos portugueses nos países de acolhimento;
b) A protecção dos direitos e dos legítimos interesses das pessoas singulares e colectivas portuguesas;
c) A defesa dos direitos dos portugueses enquanto cidadãos da União Europeia;
d) O apoio social aos portugueses;
e) O progresso educativo e profissional dos portugueses;
f) A defesa e a divulgação da língua e da cultura portuguesas;
g) A incentivação à participação dos luso-descendentes na cultura portuguesa;
h) A promoção e o desenvolvimento de relações comerciais e económicas entre pessoas nacionais e estrangeiras;
i) A cooperação com autoridades nacionais e estrangeiras na sua área de intervenção.
É por demais óbvio que este tipo de atribuições não é realizável de porta fechada e com a robotização das comunicações.
Mas a lei não é omissa nessa matéria.
Bem pelo contrário é clara na exigência do atendimento público e qualificado dos utentes.
Dispõe, a propósito, o artº 9º:
Artigo 9.º Atendimento de público
1 - Os funcionários consulares devem garantir aos utentes dos serviços o direito a:a) Atendimento personalizado;
b) Informação ou esclarecimento correcto e completo;
c) Rápido encaminhamento e resolução dos pedidos apresentados;
d) Isenção e imparcialidade no tratamento;
e) Urbanidade e cortesia no trato.
2 - Serão afixados, em local adequado, o horário de funcionamento do posto consular e os editais e avisos exigidos por lei, bem como quaisquer outros documentos de informação julgados úteis.
3 - Em cada posto consular haverá um livro de reclamações para utilização dos utentes dos serviços consulares.
Para além de exigir o atendimento do público por funcionários, de forma personalizada e com esclarecimento correcto e completo, a lei exige um rápido encaminhamento e resolução dos pedidos apresentados, isenção, imparcialidade, urbanidade e cortesia no trato.
Como já vimos, o atendimento não é feito por funcionários, mas por empregados de uma empresa de call center.
A lei exige também que, em local adequado, sejam afixados os editais e avisos exigidos por lei bem como outros documentos e informações julgados úteis.
Entre os editais e avisos figuram, naturalmente, os que estão previstos nas leis processuais e, especialmente, no Código do Registo Civil, posto que os consulados são órgãos de registo civil.
Ora, a eficácia de tais editais passa necessariamente pela natureza pública do espaço, sendo absolutamente inconcebível, por exemplo, que se pretenda eficácia de um edital relativo a um casamento se ele for afixado num espaço não acessível ao público.No Consulado Geral de S. Paulo nem sequer há um espaço para tais afixações, que não são feitas, pelo que podem ser impugnados todos os actos que dependam das mesmas.
Relevante é, também, o artº 39º que estabelece o seguinte:
«A acção consular orienta-se pelos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade e da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da colaboração com os seus destinatários, da participação, da decisão, da desburocratização e da eficiência, nos termos da lei administrativa vigente.»
Óbvio se torna que a postura assumida pelo Consulado Geral em S. Paulo ofende frontalmente estes princípios gerais, cujo cumprimento não é viável com o referido isolamento, à porta fechada.
No que se refere à protecção consular estabelece o artº 40º:
Artigo 40.º Actos de protecção consular
1 - Os postos e as secções consulares prestam a assistência necessária e possível às pessoas singulares e colectivas portuguesas no estrangeiro, nos termos das leis nacionais e estrangeiras em vigor, nomeadamente com:
a) Prestação de socorros a portugueses em dificuldade, como nos casos de prisão ou de detenção, prestando-lhes assistência, visitando-os, informando-os dos seus direitos e sustentando-os nas suas pretensões justas;
b) Prestação de socorros no caso de sinistro, procurando assegurar a assistência médica necessária e tomando as demais providências adequadas à situação;
c) Prestação de socorros no caso de catástrofe natural ou de graves perturbações de ordem civil, adoptando as medidas apropriadas aos acontecimentos;
d) Salvaguarda de menores e de outros incapazes que se encontrem desprotegidos e se mostrem em perigo, intervindo na tomada de providências cautelares e na organização da tutela e da curatela;
e) Assistência, se necessária, aos familiares de portugueses falecidos no estrangeiro, acompanhando-os nas diligências a realizar e acautelando os interesses dos presumíveis herdeiros e assegurando as diligências adequadas à transferência de espólios;
f) Emissão de documentos de identificação e de viagem;g) Apoio social, jurídico ou administrativo possível e adequado, de modo a garantir a defesa e a protecção dos direitos dos portugueses;
h) Acompanhamento, quando solicitado, do pagamento de indemnizações, de rendas, de pensões ou de outras prestações monetárias devidas a portugueses, dando a conhecer a estes os direitos e deveres de que são sujeitos à face das leis locais;
i) Assistência a idosos, reformados, desempregados e outros desprotegidos;
j) Diligências para localização de portugueses desaparecidos no estrangeiro;
l) Assistência à navegação marítima e à aeronáutica civil.
2 – Os postos e as secções consulares prestam também a assistência necessária e possível a apátridas e a refugiados residentes habitualmente em Portugal.
Parece-nos demasiado óbvio que este tipo de funções não pode ser exercido efectivamente sem que os serviços sejam abertos ao público e sem que o público possa contactar com os funcionários.
É certo que há um serviço telefónico de emergência, esse atendido por um funcionário, para os cidadãos portugueses que percam os seus documentos ou que sejam roubados.
É certo ainda que, após o encerramento das portas ao público, o Consulado Geral contratualizou parte das suas funções de apoio social com uma associação portuguesa que, pese embora a legalidade duvidosa da solução, exerce essa função com dignidade e eficácia.
Mas isso não prejudica em nada a exigência da abertura ao público decorrente da lei.
O Regulamento Consular foi concebido em termos de transformar os Consulados, num certo sentido, em lojas de cidadão. E tal não é compatível com o seu encerramento ao público nem com a robotização da informação. O que de mais importante têm as Lojas do Cidadão é a sua dimensão humana e o que ela importa no combate à burocratização.
Se tomarmos em consideração as atribuições que o Regulamento confere aos Consulados em matéria social, cultural e económica, mais evidente se torna que eles têm que ser repartições abertas aos portugueses e aos estrangeiros, sobre pena de não poderem cumprir as suas funções.
Não há relacionamento possível sem relação. Não há relações de porta fechada.
No que se refere à especificidade da história que abre esta carta têm especial relevância os artºs 51º e 52º do Regulamento Consular.
Estabelece o Artº 51º que «os cônsules titulares de postos de carreira e os encarregados das secções consulares são órgãos especiais de registo civil relativamente aos portugueses residentes habitualmente no estrangeiro ou que aí se encontrem acidentalmente.»
O Artº Artigo 52.º determina que:
«1 - No exercício das funções referidas no artigo anterior, compete aos cônsules titulares de postos de carreira e aos encarregados das secções consulares lavrar, nomeadamente, os seguintes actos de registo:
a) De nascimento ocorrido no estrangeiro, quando atributivo da nacionalidade portuguesa;
(…)»
Esta é uma das principais novidade do Regulamento Consular de 1997. Os cônsules titulares dos postos de carreira passaram a ter competência própria para lavrar registos de nascimento ocorrido no estrangeiro quando atributivos da nacionalidade portuguesa, deixando de ser meros intermediários da declaração de nascimento.
O texto da lei é inequívoco e foi estabelecido para ultrapassar situações dramáticas, que muitas vezes se arrastavam por anos na burocracia da Conservatória dos Registos Centrais.
É certo que há uma concorrência de competências entre os consulados e a Conservatória dos Registos Centrais pois que o artº 11º, al. a) do Código do Registo Civil continua a conferir a essa conservatória a competência para lavrar os registos «de nascimento, de declaração de maternidade e de perfilhação, respeitantes a portugueses, quando ocorridos no estrangeiro».
Se a lei estabelece a competência de duas entidades para o mesmo tipo de acto, significa que, com isso, pretende que ambas sejam competentes e não a exclusão de uma pela outra.
Ora, bem se alcança que ao conferir aos consulados de carreira a competência para o registo do nascimento ocorrido no estrangeiro, quando atributivo da nacionalidade portuguesa, pretendeu o legislador remover todos os obstáculos para que, em situações como a da história, algum português deixasse de ter protecção do Estado, por formalmente não o ser.
É que a atribuição da nacionalidade é um direito fundamental, oponível ao próprio Estado, que não carece de reconhecimento, bastando, para se constituir, uma declaração de vontade ou a inscrição no registo civil português, nos termos do artº 1º , 1 al. b) da Lei da Nacionalidade Portuguesa (Lei nº 37/81, de 3 de Outubro).
Do meu ponto de vista, tendo sido feita declaração de nascimento do menino Mikael Alexis Soares Leite, no dia 9 de Novembro de 2005, no Consulado Geral de Portugal em S. Paulo, viu essa criança atribuída, ipso facto, nesse mesmo momento da declaração, a sua nacionalidade portuguesa, independentemente do registo da atribuição, pois que o próprio registo do nascimento é atributivo da nacionalidade e deveria ter sido processado, se o não foi, pelo Consulado Geral.
Daí que não se entenda por que razão foi recusado um pedido de documento de viagem feito pelos progenitores do menor.
Grave é, de outro lado, que, tendo recebido a documentação essencial à inscrição do acto de registo processado no Consulado Geral em S. Paulo, a Conservatória dos Registos Centrais não o tenha feito imediatamente exigindo, para além da declaração dos pais, o original de um certidão de nascimento emitida pelos registos suíços, de que foi enviada telecópia pelo Consulado Geral de Portugal em S. Paulo.
Essa exigência carece, em absoluto, de fundamento legal, porque o registo português e a constituição da filiação dependem de mera declaração dos progenitores do menor, que foram os mesmo que declararam o nascimento junto dos registos suíços e porque, em todo o caso, nunca o conteúdo de tal registo podia ser transcrito para o registo português, sob pena de erro, atento o facto de se ter alterado a identidade da mãe, em razão da perda da nacionalidade brasileira e da recuperação da identidade russa.
Estamos no plano da pura barbaridade, tendo em conta o que consta das nossas leis, mas tendo em conta, sobretudo, o facto de nisto estarem envolvidos os interesses de uma criança de quatro anos de idade que, assim como estava previsto e foi informado, teve que ficar separada de seus pais desde o passado dia 10.
Concluo aqui a primeira parte da reflexão que me propus fazer sobre os direitos dos cidadãos perante os serviços públicos, dizendo-lhe que não vale a pena fazer boas leis, como aquelas que citei se depois não houver a ousadia de as fazer respeitar e se não se responsabilizarem os funcionários e os agentes da Administração pelos danos que causam aos particulares mas também pelos danos que causam à boa imagem da função pública.
Tudo faremos pela nossa parte para, por via do recurso aos tribunais, alterar este estado de coisas e pôr termo à impunidade dos fautores desta aberrante história.
A segundo reflexão que lhe proponho tem a ver com o uso das novas tecnologias, de que sou um esforçado defensor.
Li recentemente o relatório arrasador que o Tribunal de Contas proferiu sobre o chamado processo de informatização consular. É um autêntico escândalo, que deveria ter dado origem a uma cuidada investigação criminal.
Constatei, na visita que agora consegui fazer ao Consulado Geral de Portugal em S. Paulo que a nova repartição está equipada de modo uniforme com computadores da mesma família e geração, o que é um mau sinal, porque significa que foi para o lixo todo o equipamento que existia e que não se podia avariar em simultâneo, de um momento para o outro.
Alguém ganhou dinheiro com isto.
Constatei, na última semana, que com excepção do Embaixador Seixas da Costa nenhum repartição ou gabinete respondeu a nenhuma das mensagens de correio electrónico que enviei, fazendo requerimento ou apelos de emergência, sempre com assinatura digital avançada e em, quase todos os casos, com a certificação da minha qualidade de advogado.
Constatei que a Conservatória dos Registos Centrais, apesar de haver lei expressa que confere à telecópia emitida por outro serviço público o mesmo valor do documento original, não respeita essa lei, exigindo o documento original.
Constatei que as novas tecnologias estão a ser usadas de forma perversa, para promover negócios que são contra o interesse público plasmado nas leis que citei, como acontece no caso da substituição dos funcionários do Consulado de S. Paulo por um call-center, terceirizado não se sabe a que preço, que aniquila toda a dimensão humana das relações do serviço com o público.
Constatei que o caldo de cultura que nos trouxeram os dois diplomas que atrás citei foi substituído por uma mistura de ingredientes perigosos a vários títulos e que há quem considere isso interessante ao ponto de o transformar em regra.
Ao que soube há alguns dias o Sr. Secretário de Estado das Comunidades propõe-se importar o modelo, cuja ineficácia e desumanidade ele não conhece, para os consulados de Londres e Nogent-sur-Marne, dando por não dito tudo o que seu partido verberou contra a destruição pelos governos do PSD do que havia sido construído pelo Governo de António Guterres e que mereceu, nesta matéria, um generalizado aplauso.
Isto é especialmente grave quando é certo que a primeira geração dos nossos emigrantes, tanto para o Brasil como para França, tem uma escolaridade baixa ou é mesmo analfabeta, o que não a deve desvalorizar, porque disso é culpado o Estado, mas deve ser objecto de adequada protecção.
Constatei, finalmente, uma enorme desumanidade e um enorme desinteresse pela situação dramática de um criança de quatro anos, tão simples de resolver como dar-lhe um beijo na face.
Para retirar um drogado das malhas da justiça num país do Médio Oriente, o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros enviou um ex-ministro a esse país e usou toda a influência do Estado para que os tribunais não funcionassem.
O piloto de um avião de onde foi retirado uma elevado carregamento de droga foi beneficiário de diligências do mesmo Ministro junto das autoridades da Venezuela.
Para uma criança de quatro anos não fosse afastada dos seus pais, sendo um deles português, nada se fez. O Senhor Secretário de Estado das Comunidades, a quem cumpria, primordialmente, o acompanhamento e a solução do problema nem sequer respondeu a nenhuma das mensagens que lhe enviei, o que, por si só o desqualifica para assumir as responsabilidades que tem no seu Governo.
Os pais desta criança tiveram a sorte de encontrar um advogado português numa cidade de 18 milhões de habitantes. E os outros, quantos haverá com dramas semelhantes? Ainda há pouco observei o caso de uma portuguesa humilde a quem foi impedido o embarque porque tentou viajar para Portugal com um passaporte caduco, porque não a deixaram entrar no Consulado ela não compreendeu as instruções que deram pelo telefone.
As autoridades brasileiras dispõem-se a emitir um passaporte de validade limitada de forma a permitir que o menor se junte à sua família, para o que exigem uma declaração do Consulado de Portugal afirmando que não emite o documento de viagem.
Feito o pedido, respondeu-me a Vice-Cônsul dizendo que emitirá o documento de viagem quando for autorizada, apesar de isso fazer parte da sua competência própria. Perante a completa insensibilidade das autoridades portuguesas, vamos continuar a insistir com a Polícia Federal no sentido de aceitar como boa a declaração ambígua que hoje nos foi entregue, porque é impossível manter esta situação pelos meses de que falou a Cônsul Geral Adjunta aos meus constituintes.
Conheço a sua determinação e acredito que o Sr. Primeiro-Ministro é sensível às questões que acima coloquei.
Imagine o que é ter um filho de quatro anos e não poder levá-lo consigo para o seu País.
A resposta é tão simples que admite justificações de nenhum burocrata.
Os meus melhores cumprimentos
Miguel Reis
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