segunda-feira, novembro 14, 2005

Comunicado de imprensa

A PROPÓSITO DA CRIANÇA DE QUATRO ANOS RETIDA EM S. PAULO



Tomamos conhecimento pela imprensa do teor, ainda que parcial, de um comunicado emitido pelo Consulado Geral de Portugal em S. Paulo que nos obriga aos seguintes esclarecimentos:
1. Carece em absoluto de fundamento legal a afirmação de que o Consulado só pode emitir um documento de viagem «se e quando a Conservatória dos Registos Centrais reconhecer o seu direito à nacionalidade».
2. A Conservatória dos Registo Centrais não tem competência para «reconhecer» o direito à nacionalidade do menor, porque esse direito é insindicável, uma vez que decorre da própria lei, dependendo apenas da inscrição do nascimento no registo civil português ou de declaração de vontade da atribuição da nacionalidade (artº 1º, 1 al. b) da Lei da Nacionalidade Portuguesa.
3. Os pais do menor declararam, pelas suas próprias pessoas, o nascimento do menor no Consulado Geral de Portugal em S. Paulo, tendo feito prova de que o pai é português, pela apresentação de certidão do registo do nascimento do progenitor.
4. Nos termos do artº 52º do Regulamento Consular, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 381/97 de 30 de Dezembro, os cônsules titulares de postos de carreira e os encarregados das secções consulares, têm competência própria para lavrar, nomeadamente, o acto de registo de nascimento ocorrido no estrangeiro, quando atributivo da nacionalidade portuguesa, como ocorre neste o caso
5. Procurou o legislador, com esta solução, prevenir e evitar situações dramáticas como a que está a ocorrer com o menor Mikael Alexis.
6. O problema está em que os diplomatas em serviço no Consulado Geral de Portugal em S. Paulo ou têm um desconhecimento atroz das leis e agem com negligência, porque não estudam, ou as violam dolosamente, com a intenção de prejudicar os utentes.
7. No caso vertente, assumindo uma obrigação pedagógica sem o que não se cumpriria a obrigação ética de promover o aperfeiçoamento do direito, enviou esta sociedade dois advogados ao Consulado Geral para tentar explicar aos responsáveis estes pequenos contornos legais, que são, aliás, da maior facilidade e da maior clareza para quem ler os diplomas que tratam da matéria.
8. A um dos advogados foi, pura e simplesmente, impedida a entrada. O outro só conseguiu entrar depois de apelar à presença de uma estação de televisão para registar o impedimento.
9. Mas apesar das informações prestadas e da remissão para os princípios legais, o Consulado Geral insiste no erro de assumir, o que, noutro plano que não o legal, tem efectivamente: a sua incompetência.
10. É verdade que o Consulado Geral só tem conhecimento deste caso desde o dia 7 de Novembro. Mas esse facto é-lhe exclusivamente imputável, porque não está aberto ao público e nunca os pais do menor nem os seus advogados o conseguiram contactar antes. Aliás, no próprio dia 7, só depois de uma enorme pressão e depois de o advogado que os acompanhava ter aceite a humilhação de ser impedido de entrar nas instalações consulares, foi recusada aos pais do menor a realização de qualquer diligência.
11. No dia 8 e nas circunstância referidas foram deslocaram-se, de novo, os pais do menor àquela repartição, desta vez acompanhados por um advogado português, que fundamentou juridicamente a pretensão do registo, voltando o mesmo a ser recusado, para só se processar no dia 9 de Novembro, depois de, numa peça escrita, o mesmo advogado afirmar que responsabilizaria os diplomatas, nos termos do artº 294º do Código do Registo Civil, que é norma expressa no sentido de que «os funcionários do registo civil, os párocos e os agentes diplomáticos e consulares que não cumprirem os deveres impostos neste Código respondem pelos danos a que derem causa.».
12. Mas mesmo que assim não fosse, o Consulado Geral tinha, nos termos das atribuições que lhe são conferidas pelo Regulamento Consular, não só a competência mas também a obrigação de, nesta emergência, emitir um titulo de viagem único para que a criança de quatro anos indocumentada, que se provou ser filha de cidadão português, pudesse viajar para Portugal.
13. Anota-se finalmente que não passa de uma desculpa esfarrapada a afirmação do Consulado de que não tinha contactos das pessoas envolvidas. Os pais do menor estão representados por advogados, com escritório em S. Paulo e toda a correspondência tem os endereços e os números de telefone, que estão inclusivamente disponíveis num site na Internet.
14. Sem prejuízo da responsabilidade cível emergente da violação grosseira das normas legais portuguesas, não poderá o Ministério dos Negócios Estrangeiros deixar de apurar as responsabilidades deste caso que envergonha, de forma desmesurada, os serviços consulares de Portugal e todos os seus funcionários zelosos.

S. Paulo, 14 de Novembro de 2005

Miguel Reis & Associados