sábado, novembro 12, 2005

Sobre os serviços consulares

Copio do PortugalClub:

É com elevada tristeza que assisto diariamente, e praticamente desde que me tornei membro desta honrosa mailing-list, às acusações de maus e péssimos serviços prestados pelas entidades diplomáticas portuguesas.
Há poucos anos convivi de perto, durante alguns dias, com quadros superiores de uma embaixada portuguesa no estrangeiro, que por razões óbvias, não vou mencionar nem o país, nem o nome das pessoas. Deparei-me com uma displicência total relativamente aos assuntos que envolviam trabalho efectivo. Uma das pessoas, extremamente bem educada, afável, simpática, enfim, com todos os bons adjectivos que se podem e se querem encontrar entre amigos. Contudo, no que se relacionava com trabalho, e sem querer ser “mauzinho”, fiquei com a sensação de que o homem não queria é que o chateassem. Há mais de uma década que ele trabalhava no estrangeiro, tendo passado já por vários países. Naqueles dias em que estive com ele, disse-me que a vida que não trocava a vida que tinha nesse país, pelo regresso a Portugal, apesar de ser um país que viveu uma guerra, que se encontra a recuperar financeiramente de todas as vicissitudes que uma guerra sempre gera.
Conseguia praticamente todos os dias, encontrar-se com amigos para jogarem ténis. Aos fins-de-semana, tinha sempre a possibilidade de fazerem um conjunto de coisas que habitualmente outros não fazem. Embora não possa, nem deva, estar a falar dos períodos extra-laborais, porque apenas a cada um diz respeito. Mas senti que esses períodos mais não eram que o prolongar daquilo que acontecia durante os dias úteis, ou seja, dias de trabalho.
No dia que voltava a Portugal, um Secretário de Estado português, de uma pasta que não me recordo, iria visitar esse país. O diplomata dizia-me que seriam dias de seca, pois teria que ir recebê-lo ao aeroporto, andar com o político em protocolos infindáveis e acima de tudo ter de vestir fato e gravata. Na prática, o seu quotidiano iria ser alterado, coisa que o desagradava imenso.
Como nota final deste exemplo, tenho que dizer que desconheço profissionalmente qual a postura do referido senhor, que de algum modo era extensível aos seus colegas diplomatas. O que realmente senti, foi que as pessoas gostavam de viver nesse país, de forma descontraída, sem grandes chatices laborais e recebendo ordenados principescos relativamente à grande maioria dos portugueses.
Agora passo a contar uma situação que eu próprio experimentei em Bruxelas em Setembro de 1994. Tinha eu pegado numa bicicleta em Lisboa e de forma solitária meti-me numa aventura até à capital belga. Um mês a pedalar para chegar a Bruxelas – apenas umas férias diferentes.
Chegado a Bruxelas, deparo-me com um problema financeiro. Restava-me apenas um cheque de viagem, com poucos dólares. Não chegava para o regresso a Portugal de avião. Há que referir que o meu banco, ainda em Portugal, me havia avisado de que o cartão de débito (vulgo Multibanco) apenas daria até Espanha. Em França, pretendendo enviar pelo correio algumas coisas que já não me eram úteis, entre as quais o cartão Multibanco, tive a sorte de me decidir não fazê-lo porque os serviços de correio franceses não utilizavam umas caixitas que em Portugal os nossos correios já usavam. Assim, continuei com tudo até Bruxelas.
Já em Bruxelas, verifico que o dinheiro que possuía não chegava para a passagem de avião para Lisboa. Faltavam cerca de 10 ou 15 euros (embora na altura ainda não existisse o euro. Em escudos – 2 mil ou 3.000$00). Informei-me sobre o local da embaixada e lá cheguei no dia seguinte. Tive tanta sorte (ironia do destino) que chovia nessa manhã. Indo de bicicleta desde o parque de campismo onde estava (havia que poupar), a cerca de 12 kms da cidade, cheguei muito sujo, com a cara salpicada de lama e com a roupa toda marcada. Normal para quem anda à chuva em duas rodas. Contudo, para quem entra numa embaixada ou consulado, era um estado deplorável, onde toda a gente me olhava de esguelha. Dirigi-me a uma sala onde cerca de duas dezenas de pessoas aguardavam, algumas sentadas outras de pé, para ser atendidas. Vários gabinetes em frente, com dísticos em cada porta. Olhei para uma e pensei – aquele gabinete deverá ser o adequado para o meu assunto. Não me recordo do que dizia, mas era algo como “apoio social”. Algum tempo depois abre-se essa porta e sai um casal seguido do funcionário, que em tom de voz altivo e extremamente arrogante vai questionando à distância as pessoas que ali esperavam, perguntando-lhes qual o assunto que as levavam lá. Chegada a minha vez, expliquei que tinha chegado a Bruxelas de bicicleta e que devido a não poder utilizar o cartão Multibanco para tirar dinheiro com o intuito de adquirir a passagem de avião (pelas razões que já acima expliquei) necessitava que me ajudassem (um empréstimo talvez). Devolveria o dinheiro logo que chegasse a Lisboa. Friamente, o funcionário respondeu-me: “até Fevereiro não podemos fazer nada”. E passou logo à pessoa seguinte. Relembro que estávamos no início de Setembro e o homem dizia-me que não podiam fazer nada até Fevereiro. Ainda estava um bocado atordoado com a resposta e a “ajuda” que tinha obtido, quando se aproxima de mim um compatriota que me disse haver muito próximo da embaixada uma caixa Multibanco que aceitava o cartão português. Assim fiz e realmente resolvi o problema. Mas fica a pergunta: que raio de apoio é que a representação oficial do meu país me prestou numa situação delicada. Estava num país desconhecido, não falava o francês, não conhecia ninguém. Enfim, senti que ficava à minha mercê. Recebi mais ajuda dos próprios belgas, que dos meus compatriotas oficialmente colocados num organismo oficial para ajudarem. A minha safa foi realmente ter havido a sorte de ter que explicar à frente de tanta gente o motivo que me levou à embaixada. Como vêm, a postura de alguns é realmente muito deplorável.
Mas também aqui tenho que referir a postura do embaixador português no Cairo (Egipto), em 2002. estava envolvido num projecto de viagem de aventura de moto, que partindo de Portugal chegaria a Moçambique. Devido a uma avaria num microfone da equipa de televisão SIC que nos acompanhou, foi enviado um novo para um local mais à frente no nosso percurso. Decidiram enviá-lo para a embaixada portuguesa do Egipto, pois quando lá chegássemos já o teriam recepcionado. Foi o próprio embaixador quem tratou de tudo. Se não erro, o senhor chamava-se Manuel Tavares de Sousa. Inclusive marcou ele mesmo hotel para nós, que nos ficou num preço mais em conta, porque tinha sido marcado pelo próprio embaixador. Convidou-nos a jantar em sua casa. Acompanhou-nos depois ao hotel, num trajecto a pé. E dispôs-se logo a ajudar em tudo o que fosse necessário e estivesse ao seu alcance. O problema é que nem todos são assim. Nem todos podem ser louvados.
Bruno Gouveia