quinta-feira, novembro 10, 2005

Indignação...

Quando chegaram ao escritório estavam desesperados.
Roberto, que é uma pessoa muito bem educada, estava indignadíssimo.
«Nunca me fizeram uma injúria destas» - disse com mágoa, visivel no rosto.
Liguei para Lisboa para o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Falei para o gabinete do Secretário de Estado das Comunidades, António Braga. Não consegui falar nem com o Secretário de Estado nem com o chefe de gabinete.
Não podem atender, estão numa reunião... Mas é uma situação dramática de uma criança... Pois...
Fiquei literalmente com a sensação de que se estavam marimbando.
Uma secretária muito atenciosa, disse que falou com o chefe de gabinete e que ele sugeriu que apresentasse a questão ao Embaixador Seixas da Costa.
Telefonei para Brasília dozes vezes...
O Senhor Embaixador está com outra comunicação... Mas é um assunto urgente...
Ligue daqui a dez minutos... Passados dez minutos já estava com outra, depois com uma pessoa, compreende-se.
O Guterres está em Brasília e obviamente que é mais importante que uma criança.
Há sempre uma secretária simpática; e lá veio um telefonema de retorno a dizer que o Sr. Embaixador pedia muita desculpa mas tinha que ir para uma recepção, por acaso já estava atrasado.
Há coisas que na gente faz a quente, com alma, com vontade de resolver os dramas dos outros... E às vezes faz asneira...
No calor dos factos escrevi ao Embaixador, ao fim da tarde de segunda-feira:
Senhor Embaixador:


Trabalha comigo no escritório de S. Paulo um advogado cearense que tem tanto de bom senso como de boa educação.
Ainda jovem, o Dr. Roberto Reial Linhares é um excelente jurista e é um homem de causas.
O meu Colega foi hoje vilipendiado pelo gorila de serviço no Consulado Geral de Portugal em S. Paulo, quando exercia a sua profissão e acompanhava dois clientes àquela repartição.
Ciente do conteúdo das leis portuguesas, o meu Colega reclamou a presença de um funcionário a quem invocou os seus direitos profissionais.
Os próprios clientes afirmaram pretender a assistência do advogado que os acompanhava.
Foram todos informados de que o Consulado Geral de Portugal não aceita que os utentes se façam acompanhar por advogado, o que ofende as leis portuguesas mas também princípios fundamentais de direito internacional, aceites pela generalidade dos Estados civilizados.
O Consulado Geral de Portugal em S. Paulo – a ver até pela quantidade de asneiras que se contém no seu site – não disporá de pessoal minimamente qualificado para analisar e despachar questões jurídicas que ultrapassem o trivial. Só isso justificava que eu tivesse dado instruções ao Dr. Roberto Linhares no sentido de acompanhar os clientes.
Resumindo:
António Miguel (...), natural do Porto, empresário na Suiça casou há uns anos com a «brasileira de origem russa» Júlia (..).
O casal tem um filho Mikael Alexis (...), agora com quatro anos, nascidos em Genebra, que até há pouco teve nacionalidade brasileira.
Júlia X é a cidadã russa Joulia Y, que estava convencida de que tinha adquirido a nacionalidade brasileira por naturalização e era, afinal, portadora de documentos falsos.
Joulia foi presa quando se deslocou ao Brasil para revalidar a sua documentação, convencida de que tal documentação era legítima.
Não foi ainda julgada, mas o juiz do competente tribunal brasileiro autorizou o seu regresso à Europa, ciente da sua inocência.
Suscitou-se, entretanto, um problema novo: o filho Mikael, de quatro anos, deixou de ser cidadão brasileiro e passou a ser apátrida. E deixou de ter passaporte…
Sendo filho de um cidadão português, podem os pais proceder a registo atributivo de nacionalidade no registo civil português.
A situação, pela sua delicadeza e complexidade, foi por nós muito bem estudada.
Chegamos à conclusão, após conferência com a Conservatória dos Registos Centrais, de que o melhor caminho seria o
a) Preparar uma procuração da mãe (russa) a favor do pai português para proceder ao registo do nascimento do menor em Lisboa;
b) Solicitar ao Consulado Geral de Portugal em S. Paulo que emita um documento de viagem que permita ao pai levar o menor para Portugal, oferecendo, para tanto, as provas que forem julgadas relevantes, nomeadamente as que resultam do processo judicial pendente.
Teríamos a hipótese de obter um documento de viagem junto da Polícia Federal.
Mas ai se suscitam outros problemas, nomeadamente o da não verificação dos pressupostos legais para a entrada da criança em território português.
Há aqui algumas questões de direito internacional privado com alguma delicadeza que procuramos nem sequer suscitar, por, pura e simplesmente não termos interlocutores para as discutir.
Mas não podemos deixar de agir em termos consequentes com a necessidade de solução dos problemas que haveremos de resolver posteriormente e que têm a ver com a regularização dos registos processados na Suiça relativamente ao nascimento do menor e ao casamento dos pais.
Da nossa experiência resulta que o Consulado Geral de Portugal em S. Paulo há-de ser, em devido tempo, solicitado a confirmar o que alegamos, pelo que nos parecia da maior utilidade que um profissional qualificado pudesse ter explicado toda esta situação.

Pura e simplesmente esse profissional foi impedido de entrar no Consulado, sendo a sua insistência alvo de chacota que, por ofensiva da lei deve merecer a mais veemente reprovação da parte do representante do Estado português e a adopção de providências adequadas a por termo a este desaforo.
O Consulado Geral de Portugal tem um endereço que se chama de «elogios».
O meu Colega dirigiu-se por ele à Cônsul Geral Adjunta «com o devido respeito, admiração e recato» … mas não obteve nenhuma resposta.
Tendo sido impedida a sua entrada pediu que lhe facultassem o livro de reclamações e, passe a expressão, mandaram-no bugiar.
Este tipo de posturas envergonha-nos a todos, porque são impróprias do Estado de direito.
Para além das nossas próprias leis, há uma Carta Europeia de Serviço Público que as nossas repartições estão obrigadas a respeitar.
Felizmente, o novo Código do Processo Administrativo permite responsabilizar tanto o Estado como os seus funcionários e agentes pelos danos que causarem aos cidadãos.
Vamos por essa via, se não há outra…
O que lhe digo é que – doa a quem doer – isto não pode continuar assim.
Para além de não respeitar os direitos dos cidadãos o Consulado Geral de Portugal não pode continuar a humilhá-los, na calçada, no meio da rua, como o está a fazer.
Telefonei para Lisboa, para o Ministério dos Negócios Estrangeiros e pediram-me para contactar consigo e para lhe reportar esta situação.
Tentei-o sem o conseguir. Mas fico-lhe grato pelo retorno que me deu a sua secretária. Não teve nenhuma utilidade mas confortou, como confortam sempre as atitudes de pessoas bem educadas.
Amanhã sou eu que vou lá. E talvez leve a imprensa comigo… porque me parece que é urgente exercer o direito à indignação.
É triste constatar que, quando somos sérios e não somos fúteis, não albergamos mais do que um deserto à nossa volta.
Cumprimentos do

Miguel Reis

Nem resposta me deu, apesar de me tratar pessoalmente com afabilidade.
E tem razão. Um Embaixador não é para estas coisas e o Embaixador em Brasília não tem nada que se meter nas coisas de S. Paulo.
O gabinete do Secretário de Estado deveria saber isso e não dar sugestões parvas.
E eu, que sou jurista, deveria ter sido mais prudente e tratar as coisas com menos emoção, enrolando como pudesse, não me escandalizando.
Francamente não sou capaz e não desta idade que mudo.